Enclave ideológico da extrema direita no Estado ou a nova direita brasileira
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- Categoria: Agência DIAP
Decorrente de motivos variados, nas últimas décadas ocorreu no Brasil o ressurgimento de ideários de direita, autodenominado de “liberalismo conservador”, que empolga segmentos de classe média, setores do empresariado e com repercussões importantes no estamento militar.
Ricardo Patah e
Enilson Simões de Moura (Alemão)*
No que se refere à sociedade civil é frágil, ou mesmo escassa, a produção intelectual/acadêmica mais aprofundada ou relevante sobre o tema, por outro lado, no setor militar tem sido importante as discussões e publicações na linha do liberalismo conservador, o que traz à baila tradição dos militares brasileiros de envolvimento na política no sentido mais amplo do termo. São exemplos, o Instituto Sagres, Instituto Villas Boas e Instituto Federalista.
O período mais recente da vida política brasileira se caracteriza por confluências reacionárias que possuem distintos vetores. No plano nacional, há continuidade surpreendente do pensamento político autoritário em uma das instituições mais antigas do Estado brasileiro, as Forças Armadas e o Exército em particular. Diferentemente dos nossos países vizinhos na América do Sul, que atravessaram regimes ditatoriais, o Brasil não teve justiça de transição entre o final da ditadura militar e o regime democrático. A canhestra ‘Anistia ampla, geral e irrestrita’ gestada ainda na ditadura civil-militar neutralizou quaisquer tentativas de apuração e punição dos crimes do terrorismo de Estado, bem como não permitiu qualquer esforço sistemático de mudança doutrinária no Exército brasileiro.
Apesar de esforços mais recentes das últimas décadas com os governos de Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma, a doutrina militar da época da Guerra Fria com seus fundamentos ideológicos expressos na guerra contra o comunismo permaneceu praticamente inalterada. Um visitante mais observador do Forte de Copacabana no Rio de Janeiro verá que o período da ditadura militar não é problematizado em espaço dedicado aos presidentes entre 1964 e 1984. Mesmo os presidentes associados com os momentos mais duros da ditadura militar como Costa e Silva e Garrastazu Médici são tratados como competentes e honrados chefes de Estado. É como se, na vizinha Argentina, os generais da junta militar Galtieri, Videla e Massera fossem ainda ovacionados em espaço público e turístico sob a manutenção do exército argentino.
A ausência de justiça de transição e de esforço sistemático das Forças Armadas do Estado brasileiro no reconhecimento e elaboração crítica do período da ditadura militar não apenas permitiu a reprodução social do pensamento autoritário em símbolos, homenagens, rituais internos, mas também um estranho e perturbador revisionismo histórico do que foi e do que significou a ditadura militar para a sociedade e Nação brasileiras.
No plano internacional, há ascensão da extrema direita muito bem capturada no trabalho de Norris e Inglehart (2019) sobre a teoria do ‘rebote’ (backlash). Após décadas de revolução silenciosa nos valores sociais resultante da prolongada experiência de bem-estar social com aumento da renda e maior igualdade social, há reação conservadora em relação aos chamados valores de autoexpressão. Inglehart (2005) define os valores de autoexpressão como crenças típicas das sociedades pós-industriais, com maior ênfase no respeito ao meio ambiente, à diversidade étnica, cultural e sexual. São valores que estão fortemente correlacionados com outros indicadores de desenvolvimento socioeconômico como o Índice de Desenvolvimento Humano, maior igualdade medida pelo coeficiente Gini, maior PIB per capita entre outros.
A reação conservadora mistura o desencanto com a democracia liberal fortemente associada com o neoliberalismo e a globalização com seus efeitos negativos sobre as classes médias trabalhadores dos países desenvolvidos e a perda relativa de status e prestígio dos grupos sociais historicamente integrados na sociedade de classes frente à maior diversidade étnica, cultural e sexual e a maior presença das mulheres no mercado de trabalho e em outras esferas da vida social.
Mesmo em contexto de brutal desigualdade e de profunda discriminação racial no Brasil, as parcas conquistas das classes trabalhadoras ao longo dos últimos 20 anos com a valorização real do salário mínimo, a democratização do acesso às universidades públicas e privadas (Reuni e Prouni) e a expansão do consumo de bens e serviços antes restritos às classes médias foram capazes de produzir um ‘rebote’ das classes médias tradicionais. Essas desenvolveram então percepção de perda de status frente a outros grupos sociais, tornando-se solo fértil para as ideias de extrema direita.
Desde 2013, houve expansão na atuação dos think tanks de direita e extrema direita. Surge também fenômeno novo no período histórico recente. A direita se organiza de forma militante com ações de mobilização de massas mais intensas do que as tradicionais mobilizações de centrais sindicais, partidos de esquerda e movimentos sociais. De forma bastante contemporânea, as forças de direita constroem forte capacidade de atuação em redes sociais, grupos informais, institutos, movimentos suprapartidários, fundações, e várias iniciativas de mobilização social e formação política. Trata-se de contexto que permite o despertar de ideias e valores que estavam em hibernação. No caso das Forças Armadas e de outras instituições do Estado brasileiro, são valores e ideias de herança autoritária que nunca foi passada a limpo.
A reprodução social do pensamento de direita no Brasil constitui enclave no Estado brasileiro em que pese a moderna e social-democrata Constituição de 1988 e o avigoramento dos movimentos sociais e sindicais depois do fim do regime militar. Embora a ascensão da extrema direita em nível internacional corrobora para a difusão e legitimação do pensamento de direita no País, a continuidade de valores autoritários encrustados nas instituições políticas é ainda mais forte.
Desde a Proclamação da República, passando pelo Tenentismo, a Revolução de 1930 e o governo militar pós-1964, a influência militar foi decisiva na vida do País. Após a 2ª Guerra Mundial, no contexto da Guerra Fria, o País ficou alinhado aos EUA, no período o anticomunismo foi predominante nas Forças Armadas. Ressalte-se que esses períodos não foram homogêneos ocorrendo ênfases diversificadas em premissas sobre a gestão econômica, é o caso do “nacional desenvolvimentismo” no governo do general Geisel.
A publicação do Instituto Sagres “Projeto de Nação: o Brasil em 2035”, é proposta para construir cenário para o Brasil no ano referido. A publicação é coordenada por general da reserva (R1) e se constitui em texto que discorre sobre ideias e propostas para o País focando em período de 13 anos o que possibilita aos autores desenvolverem suas perspectivas político-ideológicas (Sagres, 2021). Ao construir cenário de futuro projeta-se no mesmo invariavelmente as concepções do presente, coloca-se no futuro as expectativas, interesses, desejos e temores do presente. Nesse sentido, as ideias sobre o futuro são legitimadas por retórica argumentativa para dar foros de credibilidade, o futuro representa ideologia do presente.
Com verniz de modernização gerencial e aparente sintonia com os novos tempos, é marcante observar o anacronismo do documento ‘Projeto de Nação’. É como se estivéssemos diante de ideias renitentes que só sobrevivem porque encontram forças sociais e materiais dispostas a leva-las adiante. O documento traz a embolorada noção de civismo dos materiais da Educação Moral e Cívica dos anos de 1960 e 1970. A ideia de nação segue sendo a simplificação homogênea de massas amorfas e indiferenciadas. Ou seja, uma nação sem rosto, sem capacidade de agir coletivamente, sem organizações sociais, especialmente os sindicatos e os movimentos sociais. Surpreende que, no início do século 21, com os enormes avanços na produção de conhecimento social, político sobre a realidade brasileira, o ‘Projeto de Nação’ revela indiferença no reconhecimento de problemas centrais da sociedade brasileira como os problemas raciais, a desigualdade em suas várias dimensões, a extrema pobreza e outras questões relacionadas à desigualdade de gênero e aos problemas já bem conhecidos dos grupos sociais vulneráveis.
O documento ignora a existência dos sindicatos, dos movimentos sociais e da sociedade civil. Reforça questões já bastante superadas pelas ciências sociais e econômicas como o caso da clivagem entre crescimento econômico e desenvolvimento social. A nação à qual o documento faz referência é caricatura e abstração. Nisso, vale lembrar o instigante livro de Bendix (1969) sobre a construção da nação. A nação não se reduz ao território, ao Estado e às elites dessa. A constituição do moderno Estado-nação é a fonte dos direitos da cidadania, a política torna-se nacional e as classes mais baixas possuem agora oportunidade de participação ativa (Bendix, 1969). É no contexto da nação que surgem as contradições entre a igualdade legal formal e a desigualdade econômica e substantiva. Essa contradição constitui o motor da extensão dos direitos sociais e econômicos para o conjunto da comunidade diversa que constitui a nação.
Os militares brasileiros ainda não entenderam o sentido de nação e o confundem com território e Estado. As experiências autoritárias modernizadoras do Leste Asiático (Taiwan, Singapura e Coréia do Sul) tiveram clareza do sentido de nação. Estas experiências fizeram reforma agrária para apoiar o desenvolvimento industrial e ajudar na integração social. Também reduziram desigualdade social com aumento de escolaridade, produtividade e consequente aumento da massa salarial. O líder militar Park Chung Hee, da Coréia do Sul, sempre associava nação com a integração de todos e elevação do bem-estar social.
O excesso de clivagens e precária coesão social da sociedade brasileira foi aprofundado durante a ditadura militar. Como lembra Kersting (2011), as clivagens tornam difícil a construção de nação e pode até mesmo destruir o contrato social entre os cidadãos e o Estado. Nação supõe atores soberanos como expressão de poder coletivo. A nação requer legitimidade da sociedade com seus atores e organizações próprias separadas do Estado e das elites. Dominação essencialmente baseada na coerção para controle das contradições sociais carece da legitimidade de nação.
Ainda educados e formados sob a doutrina da segurança nacional, do inimigo interno e da ameaça comunista, muitos militares reforçam a ideia de interesse nacional com posição que coloca o Brasil alinhado automaticamente com os EUA e contrários a países que perseguem ordem global multipolar.
O período do regime militar caracterizado por relativa autonomia frente às orientações e política externa norte-americana ocorreu em momentos desenvolvimentistas como a defesa das 200 milhas de território marítimo, a busca pela energia nuclear, pela autonomia energética em combustíveis e a construção da indústria de bens de capital.
No plano geopolítico, o ‘Projeto de Nação’, coerente com a visão da extrema direita brasileira, ainda defende ideia de alinhamento com os EUA. Desde o fim do governo Geisel (1974-1978), o pensamento econômico hegemônico no Exército e, em menor grau, na Aeronáutica e na Marinha é o do liberalismo econômico. Os think tanks vinculados a militares da ativa e da reserva e responsáveis pela elaboração do documento ‘Projeto de Nação’ deixam isso muito claro em vários trechos.
Tão ciosos de suposta ideologização da educação e da ‘ideologia’ das agendas dos valores de autoexpressão do século 21, o pensamento de extrema direita dentro e fora das Forças Armadas trata a geopolítica como alinhamento ideológico e não como projeção e proteção dos interesses de um Brasil emergente e em desenvolvimento.
Projeto de nação não é receituário estático de mentes iluminadas empenhadas em elucubrações de engenharia social. Projeto de nação só tem sentido com a participação dos sindicatos, dos mais variados movimentos sociais, pois o ideal de nação é construído coletivamente. Neste sentido, o documento ‘Projeto de Nação’ carece do essencial; entendimento do que é nação e da dimensão política e social do que se entende por projeto coletivo.
Em primeira análise de conteúdo do documento, esse chama atenção pela ausência de palavras chaves que expressam a realidade brasileira. O documento não faz menção à inclusão social, pobreza, desigualdade, problemas raciais, sindicatos. No plano dos problemas econômicos, não há menção ao processo de desindustrialização e como revertê-lo.
Consoante com a colonização da luta contra a corrupção pela extrema direita, a única menção objetiva a movimentos sociais no documento é o incentivo aos movimentos sociais de combate à corrupção.
A palavra ‘desigualdade’ aparece uma única vez no documento e ainda sim referida como desigualdade nacional. Da mesma forma, a expressão ‘desenvolvimento tecnológico’ aparece uma única vez como parte de consideração genérica relacionando com capital humano (‘buscando ampla atuação nos campos da ciência, do desenvolvimento tecnológico e da inovação’) (Figura 1). As 2 palavras mais frequentes no documento são ‘educação’ (58 referências) e ‘Estado’ (44 referências) (Figura 1).
Figura 1: Relação das palavras mais frequentes no documento ‘Projeto de Nação’
Nos trechos sobre educação, a fraseologia da extrema direita prevalece fortemente. Há excertos que se assemelham a documento do ‘Escola Sem Partido’ como “uma parcela de nossas crianças e adolescentes sofria com a ideologização do sistema educacional, com a doutrinação facciosa efetuada por professores militantes de correntes ideológicas utópicas e radicais, com prejuízo da qualidade do ensino”.
Sem citar qualquer evidência empírica, até porque a tese da educação pública ideologizada pela esquerda não se sustenta em estudos empíricos, o documento menciona relação de causalidade entre ‘ideologização’ e má qualidade da educação básica aferida pelo Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Mais adiante, o documento coloca como objetivo a coibição da pregação ideológica nos 3 níveis de ensino — fundamental, médio e superior.
Ainda sobre educação, o documento possui série de afirmações falaciosas que expressam profundo desconhecimento da realidade educacional, especialmente do ensino superior público e privado. Exemplo é o de que ‘a educação superior possui baixa qualidade de gestão’. Nenhuma evidência é apresentada e vale recordar que as universidades públicas brasileiras possuem várias métricas de desempenho, especialmente os seus cursos de pós-graduação. Mais adiante, o documento chama atenção para a necessidade de gestão que valorize resultados. São frases genéricas que expressam o senso comum de quem desconhece a realidade da educação superior no Brasil. Ora, as universidades públicas possuem os planos de desenvolvimento institucional em geral acompanhados por indicadores de resultado e de gestão. O ensino superior possui vários problemas, mas estes passam ao largo do documento.
Requentando a experiência fracassada da educação moral e cívica do regime militar, o ‘Projeto de Nação’ associa ‘educação para a cidadania’ com a retomada da educação moral e cívica.
O documento fala em liberalismo econômico ‘em oposição ao coletivismo involuntário imposto pelo Estado’, o que já se sabe ser distinto do pensamento desenvolvimentista ainda vigente nos países que superaram a armadilha da renda média como Coréia do Sul, Taiwan e Singapura. Além disso, está ali a quimera do coletivismo imposto pelo Estado associado aos governos de centro-esquerda e de centro. Novamente, a surrada fraseologia anticomunista totalmente fora do lugar.
Por outro lado, o documento possui contradição em termos quando quer juntar liberalismo econômico com regulação das relações de mercado e atuação do Estado em áreas estratégicas essenciais para a soberania nacional.
Curiosamente, o documento menciona processos que já ocorreram no Brasil desde os anos 90 como o caso da descentralização do Estado brasileiro empreendida pelo governo Fernando Henrique Cardoso e, de certa forma, continuada pelos governos Lula e Dilma. Em relação às políticas sociais de combate à pobreza, também iniciadas nos anos 90 e continuadas nas primeiras décadas do século 21, o documento repete o bordão ideológico da extrema direita “alto percentual de cidadãos dependentes do Estado para sua sobrevivência”. Novamente, revela-se a ignorância sobre a sociedade brasileira, seus problemas e o desconhecimento da vasta literatura nacional e internacional sobre as políticas sociais de erradicação da pobreza extrema.
No âmbito da gestão do Estado, o documento ignora as várias iniciativas de reformas administrativas, em especial a reforma gerencial conduzida pelo ex-ministro Bresser-Pereira, bem como outras iniciativas de fortalecimento das capacidades estatais. O desconhecimento do tema se traduz na repetição de platitudes sobre a gestão pública, caindo na armadilha acaciana de propor o óbvio sem explicar como.
É feita crítica ao Estado patrimonialista e economicamente dirigista, mas sem problematizar a persistência do patrimonialismo que hoje se revela claramente nas prebendas recebidas pelos comandos das corporações militares e policiais.
Mesmo após o fracasso rotundo do modelo da operação Lava Jato, o ‘Projeto de Nação’ recomenda a ‘criação de Forças Tarefas especiais entre a Polícia Federal, a PGR e Judiciário Federal com foco em combate à corrupção de grande porte nos governos estaduais e municipais’. Essa diretriz do documento é bastante congruente com a instrumentalização política e ideológica do combate à corrupção pela extrema direita.
Na mélange ideológica do documento não faltam referência aos discursos ideológicos da extrema direita de outras partes do globo. O texto menciona o globalismo como uma das barreiras para a realização das aspirações nacionais.
O argumento genérico é que existe conspiração em nível mundial de uma elite ultra capitalista e seus aliados internos no País. Essa elite conta com apoio de órgãos internacionais, da grande mídia, de personagens do meio artístico-cultural, de meios intelectuais e acadêmicos, de sindicatos e movimentos sociais e de defensores de minorias e do meio ambiente. Seria conspiração concertada bancada por governos e pelo grande capital. O liberalismo conservador combateria o ultra capitalismo em nome da liberdade individual e das tradições conservadoras.
O globalismo é definido como movimento internacionalista cujo objetivo é determinar, dirigir e controlar as relações entre as nações e entre os próprios cidadãos, por meio de posições, atitudes, intervenções e imposições de caráter autoritário, porém disfarçados como socialmente corretos e necessários. No centro desse movimento está a elite financeira mundial, ator não estatal constituído por megainvestidores, bancos, conglomerados transnacionais e outros representantes do ultra capitalismo, com extraordinários recursos financeiros e econômicos. (Sagres, 2021, p.9).
Associando globalismo com redução da soberania nacional, o texto afirma que:
“O argumento central do globalismo é que problemas cada vez mais complexos — como crises econômicas, proteção do meio ambiente e os direitos das minorias — requerem um processo centralizado de tomada de decisões, em nível mundial. Eventualmente e em casos específicos, essa elite tem se aliado a países centrais, organismos internacionais, organizações não governamentais (ONG) e governos nacionais de quaisquer ideologias, com vistas a projetar seus interesses em escala global.” (Sagres, 2021, p.10).
Em consonância com a teoria do ‘rebote’ (backlash), o globalismo é claramente associado aos valores de autoexpressão mencionados por Inglehart e a crítica a ele como ponto chave da reação conservadora.
“No Brasil, atualmente, é visível a união de esforços entre determinadas entidades nacionais e o movimento globalista, inclusive com o apoio de relevantes atores internacionais, visando a interferir nas decisões de governantes e legisladores, especialmente em pautas destinadas a conceder benesses a determinadas minorias, em detrimento da maioria da população, a exercer ingerência em nosso desenvolvimento econômico, usando pautas ambientalistas a reboque de seus interesses e não pela necessária preservação da natureza, e a provocar crises que enfraquecem a Nação em sua busca pelo desenvolvimento.” (Sagres, 2021, p.10).
As teorias conspiratórias são comuns na história, entre essas as que combatem “o grande capital apátrida”. A fase inicial do nazismo na Alemanha tinha discurso contra magnatas e banqueiros, especialmente os de origem judaica, defesa das tradições do país, dos costumes, da família e, ao mesmo tempo, xenofobia e hostilidade aos intelectuais e minorias. Atualmente no Brasil, são resgatados lemas do integralismo brasileiro e do fascismo espanhol do período da Guerra Civil (1936-1939): “Deus, Pátria e Família”, sem dúvida o recrudescimento do pensamento de extrema direita. A novidade é o envolvimento de segmentos militares em ambiente distinto do período do regime militar, então no contexto da Guerra Fria, que tinha como antípoda o comunismo soviético ou chinês.
Conclusão
Embora tenha nascido sob a sombra do National War College, é curioso lembrar que a ESG (Escola Superior de Guerra) no Brasil não almejava ser cópia daquela organização estadunidense. Enquanto a similar estadunidense apresentava como escopo a dedicação aos assuntos ligados à guerra, no Brasil, a prioridade era formar elites pensadoras para encontrar soluções relativas aos problemas gerais do País, em tempos de paz ou de guerra (ESG, 2019, p. 6).
Criada em 1949, já sob os auspícios da nascente doutrina da guerra ao comunismo e de alinhamento aos EUA, a ESG surge no governo do general Eurico Gaspar Dutra coincidindo com a virada ideológica à direita das Forças Armadas brasileiras.
A continuidade de doutrinas anacrônicas nas Forças Armadas e em seus think tanks privados é característica marcante de países capitalistas em desenvolvimento. Tais países condensam vários tempos históricos que se imbricam e tornam mais complexa as mudanças sociais e institucionais.
Um aspecto fundamental que a crítica ao ‘Projeto de Nação’ evidencia é a necessidade de superar a reprodução social do pensamento reacionário no interior do Estado brasileiro. Em uma democracia ou para um país que busca democracia sólida, não é possível a existência de enclaves no Estado que fogem do espírito da Constituição do país e que exaltam doutrinas contrárias ao Estado Democrático de Direito. Há críticas públicas aos procedimentos constitucionais, atribuindo espécie de poder moderador das Forças Armadas para intervir na vida política que não existe na Carta Magna brasileira.
Assim, é urgente aggiornamento doutrinário e institucional de todo o Estado brasileiro para fazer frente aos enclaves do pensamento de extrema direita que atentam contra a nossa democracia e a nossa Constituição.
As Forças Armadas são parte do Estado Democrático de Direito e constituem instituição de extrema importância na emergência de mundo multipolar com imensos e complexos desafios para garantir a defesa da soberania nacional. Como as demais instituições do Estado brasileiro, essas merecem atenção do poder democraticamente eleito para que cumpram plenamente a vocação em nação soberana e democrática.
O movimento sindical possui papel relevante na formação da cidadania e na agenda política e econômica da reconstrução na Nação brasileira depois da nefasta experiência com governo de extrema direita. Oriundo de demanda da União Geral dos Trabalhadores, este documento já revela a busca de protagonismo dos sindicatos na busca de solução aos problemas do País.
(*) Presidente e vice-presidente nacional, respectivamente, da UGT (União Geral dos Trabalhadores)