Foram 2 turnos de votações no mesmo dia, porque houve acordo para quebra dos chamados interstícios (prazos) entre as votações do primeiro e do segundo turnos. Assim, depois de 30 anos de discussão no Brasil, a Reforma Tributária — PEC 45/19 — foi chancelada em 2 turnos no Senado, nesta quarta-feira (8). Em razão das alterações no texto, a PEC retorna ao exame da Câmara dos Deputados.

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Painel mostra o resultado da votação que se repetiu no primeiro e no segundo turnos | Fotos: Agência Senado e Lula Marques / Agência Braasil

Nas 2 etapas, a proposta foi aprovada por 53 votos a 24. Eram necessários 49 votos favoráveis — 3/5 da composição da Casa — para que a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 45 fosse aprovada no Senado Federal.

A proposta foi aprovada em primeira votação na Câmara dos Deputados em julho deste ano, mas teve alterações significativas pelos senadores. Por isso, o texto volta à Câmara para análise das mudanças feitas no Senado.

Somente se as 2 Casas do Congresso — Câmara e Senado — concordarem integralmente com o texto, a reforma será promulgada na forma de emenda à Constituição em sessão do Congresso Nacional. A expectativa do governo e do Congresso é de que esse processo possa ser concluído ainda este ano.

Na Câmara, o texto alterado pelo Senado vai ser relatado pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) e deve ser analisado diretamente no plenário, em 2 turnos.

Simplificação do sistema tributário
O governo diz que o objetivo da reforma é simplificar o sistema tributário brasileiro, melhorando o ambiente de negócios e facilitando o crescimento da economia — a discussão é polêmica, pois mexe com os interesses de setores econômicos diversos e de entes federativos, como estados e municípios.

Considerando o texto aprovado no Senado, o que efetivamente muda com a reforma tributária? Entenda em 5 pontos as principais dessas mudanças:

1. Simplificação de impostos
A Reforma Tributária prevê a substituição de 5 tributos — PIS, Cofins e IPI, de competência federal; e ICMS e ISS, de competências estadual e municipal, respectivamente —, por 1 IVA (Imposto sobre Valor Adicionado).

O IVA é o imposto que incide de forma não cumulativa, ou seja, somente sobre o que foi agregado em cada etapa da produção de 1 bem ou serviço, excluindo valores pagos em etapas anteriores.

O modelo acaba com a incidência de impostos em cascata, um dos problemas históricos do sistema tributário brasileiro.

Atualmente, mais de 170 países adotam o IVA, entre esses Canadá, Austrália, diversos países membros da União Europeia e emergentes como Índia, além de vizinhos latino-americanos, como México, Colômbia, Chile e Argentina.

O IVA brasileiro será IVA Dual, dividido em 2 partes: a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), de competência federal; e o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), de estados e municípios.

Cobrança do imposto no local de consumo
Com a reforma, a cobrança de impostos deixará de ser feita na origem (local de produção) e passará a ser feita no destino (local de consumo), mudança que visa dar fim à chamada guerra fiscal — a concessão de benefícios tributários por cidades e estados, com objetivo de atrair o investimento de empresas.

Pela proposta, produtos importados devem pagar o IVA da mesma forma que itens produzidos no Brasil. Exportações e investimentos serão desonerados.

Haverá alíquota-padrão e outra diferenciada, para atender setores como a saúde. A alíquota geral será definida por lei complementar, após a aprovação da PEC.

O texto proposto pelo relator no Senado prevê ainda “trava” para a cobrança dos impostos sobre consumo — limite que não poderá ser ultrapassado no futuro.

Esse limite será a carga tributária como proporção do PIB (Produto Interno Bruto), na média para o período de 2012 a 2021 — o que seria equivalente a 12,5% do PIB, segundo a Secretaria Extraordinária de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda.

Críticos a esse ponto argumentam, porém, que a trava impedirá que, em momentos de crise, o governo promova aumentos temporários de arrecadação.

2. “Imposto do pecado”
O Imposto Seletivo, também conhecido como “imposto do pecado”, será espécie de sobretaxa que incidirá sobre a produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.

Entre esses produtos estão, por exemplo, cigarros e bebidas alcoólicas.

O Imposto Seletivo será de competência federal, com arrecadação dividida com os demais entes da Federação.

Originalmente, o Imposto Seletivo também seria usado para manter a competitividade da Zona Franca de Manaus, mas o relator da reforma no Senado propôs a criação de nova Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) para essa finalidade.

Se aprovada, a nova Cide recairá “sobre a importação, produção ou comercialização de bens que tenham industrialização incentivada na Zona Franca de Manaus”, como forma de manter a vantagem do polo industrial.

A Zona Franca e o Simples (sistema de tributação simplificada para empresas de pequeno porte) devem continuar como exceções ao sistema, mantendo as regras atuais — o que é criticado por alguns especialistas, que avaliam os regimes tributários especiais como ineficientes.

3. Cesta básica e cashback
A Reforma Tributária prevê ainda a criação de Cesta Básica Nacional de Alimentos, cujos itens — como arroz, feijão, entre outros — serão isentos de impostos.

Os produtos da cesta serão definidos por lei complementar, que deverá levar em conta a diversidade regional e cultural da alimentação do País.

Haverá ainda cesta “estendida” com outros produtos, como carnes e itens de higiene pessoal e limpeza, que terão desconto de 60% nos tributos para consumidores de baixa renda.

Esse desconto será concedido por meio da devolução de impostos, chamada de cashback.

A população mais pobre também deve ter direito ao cashback para o imposto cobrado na conta de luz e no gás de cozinha, pela proposta do relator no Senado.

A manutenção da desoneração de parte da cesta básica na Reforma Tributária é criticada por alguns especialistas.

Eles argumentam que a isenção de impostos reduz a arrecadação do governo e beneficia indistintamente ricos e pobres. Segundo esses analistas, a devolução de impostos é política mais barata e mais eficiente para reduzir a injustiça tributária.

Originalmente, a proposta de reforma do governo previa a reoneração da cesta básica e o cashback aos mais pobres. O Congresso, no entanto, optou por modelo intermediário, com a isenção sendo mantida para alguns itens básicos e o cashback aos mais pobres na cesta “estendida”.

4. Profissionais liberais e outras exceções
Novidade introduzida na Reforma Tributária pelo Senado é a criação de tributação específica para serviços prestados por profissionais liberais, como advogados, engenheiros e contadores, equivalente a 70% do valor da alíquota geral.

De última hora, o relator da reforma aceitou ainda exceções que beneficiam bancos, taxistas, clubes de futebol e a indústria automotiva, ampliando a lista de setores privilegiados por alíquotas diferenciadas. A proposta aprovada na Câmara já incluía segmentos como educação, saúde, instrumentos e equipamentos médicos, medicamentos e itens de saúde menstrual, serviços de transporte coletivo, produtos e insumos agropecuários, atividades artísticas e culturais, entre outros.

O problema das exceções é que, como a reforma pretende ser neutra do ponto de vista da arrecadação de impostos — isto é, a expectativa do governo é continuar arrecadando proporcionalmente o mesmo que arrecada atualmente —, os descontos dados a setores específicos precisam ser compensados com alíquota geral maior para todos os demais produtos e serviços.

Em agosto, o Ministério da Fazenda publicou estudo estimando que a alíquota-padrão do IVA ficaria entre 25,45% e 27%.

No início de novembro, o ministro Fernando Haddad estimou que, com as novas concessões incluídas pelo relator na proposta do Senado, a alíquota poderia chegar a 27,5%, uma das mais altas do mundo. Esse cálculo foi feito antes das exceções de última hora incluídas por Eduardo Braga (MDB-AM), relator da reforma no Senado.

“É a festa da cocada esse negócio das exceções. A alíquota de referência vai ficar mais alta ainda, com as exceções sendo reforçadas”, disse Felipe Salto, economista-chefe e sócio da gestora de investimentos Warren Rena, em entrevista ao jornal O Globo ao fim de outubro.

Braga reconheceu na terça-feira (7), durante a votação do texto na CCJ, que a reforma que seguiria para o plenário do Senado não era a ideal.

“O relatório não é uma obra de arte perfeita, mas, na democracia, é a construção do possível”, disse Braga. “Essa é a primeira Reforma Tributária que o Brasil constrói em um regime democrático, o que é muito difícil”, completou o senador.

5. Tempo de transição
Segundo a proposta de Reforma Tributária, o período de transição para unificação dos tributos vai durar 7 anos, entre 2026 e 2032.

A partir de 2033, os impostos atuais serão extintos. A transição foi prevista para não haver prejuízo de arrecadação para estados e municípios.

Pelo cronograma proposto, em 2026, haverá alíquota teste de 0,9% para a CBS (IVA federal) e de 0,1% para IBS (IVA compartilhado entre estados e municípios).

Em 2027, PIS e Cofins deixam de existir e a CBS será totalmente implementada. A alíquota do IBS permanece com 0,1%.

Entre 2029 e 2032, deve haver redução paulatina das alíquotas do ICMS e do ISS e elevação gradual do IBS, até a vigência integral do novo modelo em 2033.

A transição da cobrança de impostos da origem para o destino deve ocorrer em 50 anos, de 2029 até 2078. (Com informações da Agência Senado e BBC Brasil)

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