Câmara conclui Reforma Tributária; 4ª feira promulga
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- Categoria: Agência DIAP
A Câmara dos Deputados aprovou, em 2 turnos, na última sexta-feira (15), na 2ª fase de tramitação, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 45/19, que trata da Reforma Tributária. O texto já havia sido chancelado pelo Senado e agora segue para a promulgação.
Texto já havia sido chancelado pelo Senado e agora foi aprovado pela Câmara. Vai à promulgação | Foto: Arte/O Globo
Em primeiro turno, o texto obteve 371 votos a 121, e em segundo turno, 365 a 118. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-PB), comemorou a aprovação e anunciou que o texto poderá ser promulgado na próxima quarta-feira (20).
Entenda o que muda
Desde o início do ano, o governo tem defendido a aprovação de novo sistema tributário para o Brasil. O tema é debatido no Congresso há cerca de 30 anos. Veja o que mudou no texto final no relatório:
Destaques aprovados
Os deputados mantiveram emenda incluída pelos senadores que diz respeito à possibilidade de adoção de crédito presumido para incentivar a produção de veículos elétricos e flex — combustíveis derivados de petróleo e biocombustíveis.
Crédito presumido é hipótese de crédito com a função de diminuir o imposto cobrado sobre as operações praticadas. Também conhecido como crédito outorgado, é recurso utilizado pelo estado e Distrito Federal para dispensar o contribuinte da carga tributária que incidirá sobre as operações.
Na prática, a medida permite que a empresa que utilize o crédito seja ressarcida pelo imposto pago.
O benefício se estenderá até 2032 e poderá ser utilizado por montadoras das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste que iniciarem a produção de veículos elétricos e flex até 1º de janeiro de 2028.
Por 324 a 142, a Câmara ainda aprovou destaque para permitir que auditores municipais e estaduais tenham o mesmo salário de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).
A remuneração dos ministros do STF é de R$ 41.650,92 — teto do funcionalismo público. A partir de 1º de fevereiro de 2025, os vencimentos serão de R$ 46.366,19.
Esse valor será aplicado a auditores locais, e passará a valer a partir de 2027.
Armas e munições
No último minuto da votação da PEC, a bancada da bala conseguiu retornar do texto da Reforma Tributária dispositivo que determinava a incidência do imposto seletivo sobre armas e munições.
O trecho recebeu o aval de 293 deputados e 198 votos contrários e foi retirado do texto da PEC durante a votação em segunda turno da proposta.
O relatório final da Reforma Tributária, apresentado por Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), excluiu mecanismo, adicionado pelo Senado, que premiava estados que elevassem arrecadação em período de transição.
Utilizando o mecanismo, governadores de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Paraná sinalizaram aumento da alíquota-base de ICMS para 19,5% em novembro.
O dispositivo contido no parecer do senador Eduardo Braga (MDB-AM) estabelecia que a arrecadação do ICMS entre 2024 e 2028 seria a base para a distribuição de parcela da arrecadação do IBS — imposto estadual criado pela reforma — entre 2029 e 2077.
Regimes diferenciados
Além disso, foram retirados pelo relator 6 setores econômicos incluídos pelo Senado na lista de regimes diferenciados — os serviços de saneamento básico, concessões de rodovia, transporte aéreo de passageiros, telecomunicações, bens e serviços de economia circular, micro e minigeração distribuída de energia elétrica.
As companhias aéreas vinham alegando que, sem alíquotas menores do futuro IVA (Imposto sobre Valor Agregado) ou regime próprio de tributação, cada 1 das 3 grandes do setor teria aumento de custo adicional de até R$ 3 bilhões por ano.
Tarifas de água e esgoto
No caso do saneamento, a previsão é que as tarifas de água e esgoto subam 18% em média, segundo estimativas apresentadas pela Aesbe (associação das companhias estaduais) e pela Abcon (associação das concessionárias privadas). O marco legal do setor prevê a universalização dos serviços até 2033.
Zona Franca de Manaus
Também ficou de fora do parecer do relator a criação de 1 Cide (Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico) para beneficiar a Zona Franca de Manaus.
A Cide substituiria o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), que seguirá valendo para as mercadorias similares àquelas produzidas pelo polo industrial.
A Cide não teve apoio das demais regiões e gerou entrave entre os deputados. A solução encontrada foi manter a existência do IPI, imposto que tem a arrecadação com todos os estados.
O parecer também rejeitou a possibilidade de que a ZFM importe petróleo, lubrificantes e combustíveis com isenção.
Cesta básica isenta
Ribeiro também acabou com a “Cesta Estendida” — mecanismo criado pelo Senado que sofreu críticas do setor de supermercados.
Na prática, Ribeiro recupera a redação aprovada na Câmara dos Deputados, que previa “Cesta Básica Nacional”, com itens isentos de imposto. Os itens da cesta seriam definidos por lei complementar.
Eduardo Braga (MDB-AM), relator no Senado, manteve a isenção à cesta básica, mas limitou seus itens. Também criou a “Cesta Estendida”, com desconto de 60% do IVA (Imposto sobre Valor Agregado) e cashback para a população de baixa renda que consumir estes produtos.
Nos últimos meses, a Abras (Associação Brasileira de Supermercados) criticou a alteração e defendeu que a isenção de impostos à cesta básica é mais eficiente que o cashback para atender os mais pobres com a reforma.
Ribeiro argumentou que a reforma já garante 60% de desconto do IVA para alimentos e produtos de higiene elencados. A menção do relator consta no artigo do texto que versa sobre as chamadas exceções, que serão definidos por lei complementar.
Entenda, em 5 pontos, o que efetivamente muda com a reforma:
1) Simplificação de impostos - A reforma prevê a substituição de 5 tributos — PIS, Cofins e IPI, de competência federal; e ICMS e ISS, respectivamente, de competências estadual e municipal, por 1 IVA (Imposto sobre Valor Adicionado). O IVA incide de forma não cumulativa, ou seja, somente sobre o que foi agregado em cada etapa da produção de 1 bem ou serviço, excluindo valores pagos em etapas anteriores. O modelo acaba com a incidência de impostos em cascata, 1 dos problemas históricos do sistema tributário brasileiro. Atualmente, mais de 170 países adotam o IVA, entre esses Canadá, Austrália, diversos países membros da União Europeia e emergentes como Índia, além de vizinhos latino-americanos, como México, Colômbia, Chile e Argentina. O IVA brasileiro será Dual, dividido em 2 partes: a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), de competência federal; e o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), de estados e municípios.
Com a reforma, a cobrança de impostos deixará de ser feita na origem — local de produção — e passará a ser feita no destino — local de consumo —, mudança que visa dar fim à chamada guerra fiscal — que é a concessão de benefícios tributários por cidades e estados, com objetivo de atrair o investimento de empresas. Pela proposta, produtos importados devem pagar o IVA da mesma forma que itens produzidos no Brasil, já exportações e investimentos serão desonerados. Haverá alíquota-padrão e outra diferenciada, para atender setores como a saúde. A alíquota geral será definida por lei complementar, após a aprovação da PEC. A previsão, porém, é que o IVA brasileiro terá patamar alto na comparação internacional (entenda mais abaixo). O texto proposto pelo relator no Senado prevê ainda “trava” para a cobrança dos impostos sobre consumo — limite que não poderá ser ultrapassado no futuro. Esse limite será a carga tributária como proporção do PIB (Produto Interno Bruto), na média para o período de 2012 a 2021 — o que seria equivalente a 12,5% do PIB, segundo a Secretaria Extraordinária de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda. Críticos a esse ponto argumentam, porém, que a trava impedirá que, em momentos de crise, o governo promova aumentos temporários de arrecadação.
2. Maior IVA do mundo? - A futura alíquota do novo imposto, porém, virou alvo de polêmica. Críticos da reforma dizem que o IVA brasileiro vai elevar a carga tributária e citam projeções de economistas indicando que a alíquota pode chegar a 28%, a maior do mundo. Embora ainda não seja possível cravar qual será a alíquota do IVA brasileiro, defensores da reforma reconhecem que será alta para padrões internacionais. No entanto, ressaltam que isso reflete o fato de o Brasil ter grande parte da arrecadação sobre produção e consumo — diferentemente de outros países com IVA menor que arrecadam mais sobre renda e propriedade. A ideia, destacam os apoiadores da mudança, é que o novo IVA arrecade exatamente o que hoje os 5 impostos — IPI, PIS, Cofins, ICMS, ISS — rendem às 3 esferas do poder público, sem, portanto, elevar a carga tributária atual. O objetivo de manter a mesma arrecadação é não desfalcar o caixa dos governos, já que esse dinheiro é usado para bancar serviços públicos, como escolas, hospitais e o funcionamento das polícias.
Entusiastas da reforma dizem ainda que a reorganização e a simplificação do sistema, com a unificação dos impostos terá efeito de impulsionar o crescimento e ampliar o poder de compra da população. “Como a futura alíquota será correspondente a carga tributária de hoje, então o Brasil já tem esse maior IVA do mundo. Só que o novo sistema trará muito mais transparência”, defende especialista em questões tributárias Melina Rocha, diretora de cursos na York University, no Canadá. Melina explica ainda que a alíquota base do IVA também ficará mais alta no Brasil devido aos descontos que estão sendo dados na reforma a alguns setores.
Serviços de saúde e educação, por exemplo, pagarão IVA equivalente a 40% da alíquota cheia. Já a cesta básica terá alguns itens com isenção total — não pagarão IVA — e alguns itens com alíquota reduzida — 40% da alíquota cheia. Há ainda segmentos que terão desconto, mas que a alíquota ainda será definida na regulamentação da reforma, como serviços de hotelaria, parques de diversão e bares. No total, foram incluídas 42 previsões de descontos no novo tributo. O número é considerado alto por especialistas e pelo próprio governo, mas há avaliação de que não seria possível aprovar a reforma no Congresso sem atender a pressão de setores econômicos por esses descontos. O problema disso é que, para que alguns produtos e serviços tenham imposto menor, a alíquota padrão capaz de garantir a mesma carga tributária de hoje precisa ser maior. Segundo projeções preliminares do Ministério da Fazenda, o novo imposto brasileiro pode ficar entre 25,45% e 27%, mas esse cálculo será revisto após a aprovação do texto no Senado, pois houve alterações no texto que podem elevar a alíquota final. Projeção do pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) João Maria Oliveira, também anterior à aprovação no Senado, calculou que o IVA brasileiro poderia chegar a 28,4%. Hoje, o maior IVA do mundo é o da Hungria (27%).
Os países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) têm alíquota média de 19,2%. Dos 38 integrantes da organização, formada principalmente por países ricos, apenas os Estados Unidos não adotam o IVA. Para Melina Rocha, porém, não faz sentido comparar o IVA de diferentes países sem levar em conta o sistema tributário de cada um deles como um todo. “Não dá para comparar a alíquota nominal padrão de um país com outro, justamente porque esses outros países, que têm uma alíquota menor do IVA, têm uma alíquota muito maior sobre renda”, argumenta. Segundo um relatório da Receita Federal com dados de 2020, a carga tributária média dos países da OCDE estava em de 33,5% do PIB (Produto Interno Bruto) naquele ano, enquanto a brasileira era de 30,9% do PIB.
3) ‘Imposto do pecado’ - O Imposto Seletivo, também conhecido como “imposto do pecado”, será espécie de sobretaxa que incidirá sobre a produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Entre esses produtos estão, por exemplo, cigarros e bebidas alcoólicas. O Imposto Seletivo será de competência federal, com arrecadação dividida com os demais entes da federação. Originalmente, o Imposto Seletivo também seria usado para manter a competitividade da Zona Franca de Manaus, mas o relator da reforma no Senado propôs a criação de uma nova Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) para essa finalidade. Essa medida, porém, também gerou controvérsia e foi derrubada na Câmara. A ideia era que nova Cide recairia “sobre a importação, produção ou comercialização de bens que tenham industrialização incentivada na Zona Franca de Manaus”, como forma de manter a vantagem do polo industrial. Em vez disso, o texto aprovado após negociação entre Senado e Câmara prevê que haverá cobrança de IPI até 2073 sobre produtos similares aos da Zona Franca produzidos em outros estados. A Zona Franca e o Simples — sistema de tributação simplificada para empresas de pequeno porte — vão continuar como exceções ao sistema, mantendo suas regras atuais — o que é criticado por alguns especialistas, que avaliam os regimes tributários especiais como ineficientes.
4) Cesta básica e cashback - A reforma prevê ainda a criação de Cesta Básica Nacional de Alimentos, cujos itens — como arroz, feijão, entre outros — serão isentos de impostos. Os produtos da cesta serão definidos por lei complementar, que deverá levar em conta a diversidade regional e cultural da alimentação do País. A Câmara decidiu eliminar a criação de cesta “estendida” que havia sido incluída na reforma pelo Senado. Essa cesta ampliada teria outros produtos, como carnes e itens de higiene pessoal e limpeza, com desconto de 60% nos tributos. Segundo o relator da reforma tributária da Câmara dos Deputados, Aguinaldo Ribeiro, a ideia foi priorizar os mais pobres por meio da criação do cashback — devolução de impostos — em vez de dar descontos numa lista maior de produtos. A população mais pobre também terá direito ao cashback do novo IVA a ser cobrado na conta de luz e no gás de cozinha. A forma como essa devolução ocorrerá ainda depende de regulamentação. A manutenção da desoneração de parte da cesta básica na reforma tributária é criticada por alguns especialistas. Eles argumentam que a isenção de impostos reduz a arrecadação do governo e beneficia indistintamente ricos e pobres.
Segundo esses analistas, a devolução de impostos é política mais barata e mais eficiente para reduzir a injustiça tributária. Originalmente, a proposta de reforma do governo previa a reoneração total da cesta básica e o cashback aos mais pobres. O Congresso, no entanto, optou por manter a isenção de alguns itens básicos.
5) Tempo de transição - Segundo a reforma tributária, o período de transição para unificação dos tributos vai durar 7 anos, entre 2026 e 2032. A partir de 2033, os impostos atuais serão extintos. A transição foi prevista para não haver prejuízo de arrecadação para estados e municípios. Pelo cronograma proposto, em 2026, haverá alíquota teste de 0,9% para a CBS (IVA federal) e de 0,1% para IBS (IVA compartilhado entre estados e municípios).
Em 2027, PIS e Cofins deixam de existir e a CBS será totalmente implementada. A alíquota do IBS permanece com 0,1%. Entre 2029 e 2032, deve haver redução paulatina das alíquotas do ICMS e do ISS e elevação gradual do IBS, até a vigência integral do novo modelo em 2033.
A transição da cobrança de impostos da origem para o destino deve ocorrer em 50 anos, de 2029 até 2078. Esse longo período de transição divide opiniões entre economistas. Para Samuel Pessôa, pesquisador do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) e chefe de pesquisa econômica do Julius Baer Family Office, a separação entre as 2 transições — da unificação de impostos e da migração da origem para o destino — é o “Ovo de Colombo” da reforma.
“Esta reforma vai mudar muito, para muito melhor, a estrutura tributária. Mas ela mexe na estrutura federativa, em quem recebe e quem deixa de receber. Ela não é neutra do ponto de vista dos estados”, disse Pessôa, em entrevista à BBC News Brasil em julho. “Então a ideia, ao separar as 2 transições, é dar tempo — muito tempo — para os estados se adaptarem às novas estruturas de recebimento e também dar tempo para os efeitos benéficos da reforma virarem crescimento econômico.”
Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena, acredita que o longo período de transição para a unificação de impostos pode significar que a guerra fiscal não tenha fim, prejudicando 1 dos objetivos da reforma. Pela proposta da reforma, o IBS será instituído com alíquota de 0,1% em 2026. Até 2028, o novo imposto vai conviver com o ICMS e o ISS sem mudança de alíquotas nos tributos antigos. A partir de 2029, os impostos antigos começam a ser reduzidos, em 10% ao ano, até 2032. Assim, ao final de 2032, o ICMS e o ISS terão alíquotas equivalentes a 60% das atuais. “Para que [a tributação] migre para o destino, nós temos que acreditar que não vai haver pressão nenhuma para que esses 60% de ICMS não continuem vigorando além de 2032. Ou seja, que da noite pro dia esse ICMS de 60% vá passar a zero”, disse Salto à BBC em julho. “Isso é um risco porque, ao manter uma alíquota grande para um imposto ruim que enseja benefícios fiscais — o que não é proibido pela PEC —, você pode ensejar a concessão de novos incentivos tributários. Aí há o risco de não termos a migração para o destino nem em uma década”. (Com informações das agências Câmara, Senado e BBC Brasil)