Novo Marco Fiscal é mais rigoroso no controle da alta de gastos
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O “Novo Regime Fiscal” do PLP 93/23: viés fiscalista, efeitos imediatos e vetos necessários
Em 23 de agosto de 2023, o Congresso Nacional concluiu a apreciação do PLP (Projeto de Lei Complementar) 93/23, do Poder Executivo, que “Institui regime fiscal sustentável para garantir a estabilidade macroeconômica do País e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico, com fundamento no art. 6º da EC (Emenda à Constituição) 126, de 21 de dezembro de 2022, e no inciso VIII do caput e no parágrafo único do art. 163 da Constituição Federal; e altera a Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), e a Lei 10.633, de 27 de dezembro de 2002.”
Luiz Alberto Dos Santos*
Após a apreciação pelo Senado, que aprovou 15 emendas ao texto inicialmente aprovado pela Câmara, os deputados encerraram o exame da matéria com a rejeição de 12 emendas, e aprovação de outras 3.
As emendas do Senado acatadas pela Câmara consistem, apenas, quanto ao mérito, na reinclusão da previsão de que as despesas com o FCDF (Fundo Constitucional do DF) e repasses ao Fundeb (Fundos de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), para complementação de recursos para o pagamento do piso salarial do magistério dos estados, DF e municípios não serão computadas para fins de teto de despesas.
No entanto, o texto aprovado por ambas as Casas e encaminhado à sanção é mais rigoroso, no controle do aumento de gastos públicos, do que era o projeto original enviado pelo governo Lula ao Congresso.
A aprovação do PLP 93/23 segue o previsto no art. 6º da EC 126, de 2023 – a Emenda da Transição – que previa que o presidente da República deveria encaminhar ao Congresso Nacional, até 31 de agosto de 2023, projeto de lei complementar com o objetivo de instituir regime fiscal sustentável para garantir a estabilidade macroeconômica do País e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico, inclusive quanto à regra estabelecida no inciso III do caput do art. 167 da Constituição Federal (regra de ouro), o qual veda a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta.
Segundo o art. 9º da EC 126, após a sanção da lei complementar resultante do projeto de lei, ficariam revogados os art. 106, 107, 109, 110, 111, 111-A, 112 e 114 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que dispõem sobre o Novo Regime Fiscal instituído pela EC 95, de 2016 e pela EC 109, de 2021.
O texto aprovado, de forma sintética:
1. Cria novo teto de despesas, a partir de 2024, de caráter permanente, mas passível de alteração por lei complementar futura, com base na despesa primária autorizada em 2023 pela Lei Orçamentária Anual, considerados os créditos suplementares e especiais vigentes na data de promulgação da Lei Complementar, relativas ao respectivo Poder ou órgão referido no caput deste artigo.
2. Permite a correção do valor base, em 2024, pela inflação aferida pelo IPCA de julho de 2022 a junho de 2023, acrescida de percentual de aumento real de 0,6% a 2,5% acima do IPCA. Após 2024, a despesa do ano anterior, corrigida pelo IPCA de julho a junho e aumento real nos mesmos limites.
3. Condiciona o aumento real da despesa, a cada ano, ao atingimento de metas fiscais fixadas pela LDO, e limitada ao aumento real da receita primária recorrente. Se a meta for atingida, o aumento real da despesa poderá ser de até 2,5% acima do IPCA, mas limitado a 70% do aumento real da receita primária recorrente. Se a meta fiscal não for alcançada, aumento real da despesa de 0,6%, limitado a 50% do aumento real da receita.
4. Exclui, da base de cálculo e do limite de despesas, de:
I - transferências constitucionais a estados, DF e municípios, para os Fundos de Participação, compensação pelo Simples, cotas do salário educação e para o Fundo Constitucional do DF
II - créditos extraordinários;
III - despesas nos valores custeados com recursos de doações ou com recursos decorrentes de acordos judiciais ou extrajudiciais firmados para reparação de danos em decorrência de desastre (EC 126);
IV - despesas das universidades públicas federais, das empresas públicas da União prestadoras de serviços para hospitais universitários federais, das instituições federais de educação, ciência e tecnologia vinculadas ao Ministério da Educação, dos estabelecimentos de ensino militares federais e das demais instituições científicas, tecnológicas e de inovação, nos valores custeados com receitas próprias, ou de convênios, contratos ou instrumentos congêneres, celebrados com os demais entes federativos ou entidades privadas (EC 126);
V - despesas custeadas com recursos oriundos de transferências dos demais entes federativos para a União destinados à execução direta de obras e serviços de engenharia;
VI - despesas com saldos de precatórios de alto valor (§ 20 do art. 100) e despesas com precatórios pagos por acordo com redução de 40% (§ 3º do art. 107-A do ADCT, incluído pela EC 114);
VII - despesas com quitação de precatórios utilizados para quitação de dívidas tributárias ou utilizados em compras de ativos (privatizações) ou concessões etc. (art. 100, § 11 da CF) ou contratos de financiamento, parcelamentos de débitos com a União ou ressarcimentos ao erário (§ 21 do art. 100 da CF);
VIII - despesas não recorrentes da Justiça Eleitoral com a realização de eleições (EC 95);
XII - transferências para estados, DF e municípios da participação nas receitas de concessões florestais (art. 39 da Lei 11.284, de 2006) e na receita de imóveis da União alienados (art. 17 da Lei 13.240, de 2015.
Quanto a essas exclusões, o texto aprovado é mais rigoroso do que a proposta do Executivo, pois passam a ser contabilizados no teto de despesas – contra a vontade do governo Lula – as despesas com atualização de precatórios, as transferências aos fundos de saúde dos estados, DF e municípios para cumprimento dos pisos salariais de enfermeiro, técnico de enfermagem, auxiliar de enfermagem e a parteira, com aumento de capital de empresas estatais não financeiras e não dependentes, e as relativas à cobrança pela gestão de recursos hídricos da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (Lei 9.433, de 1997, e Lei 10.881, de 2004, que são repassadas às agências de águas.
5. Define que a variação real da receita primária recorrente considerará os valores acumulados no período de 12 meses encerrado em junho do exercício anterior ao que se refere a lei orçamentária anual, descontados da variação acumulada do IPCA, apurada no mesmo período.
6. Exclui, do cálculo da receita primária, para fins de apuração do limite para o “aumento real” da despesa (receita primária recorrente disponível), receitas de concessões e permissões, de dividendos e participações, da exploração de recursos naturais, recursos das contas do PIS-Pasep não reclamados), receitas de futuros programas especiais de recuperação fiscal e transferências legais e constitucionais por repartição de receitas primárias.
7. Inclui a previsão de que, caso o resultado primário do Governo Central apurado, relativo ao exercício anterior, seja menor que o limite inferior do intervalo de tolerância da meta, fixado pela LDO, e além da redução do limite de aumento real da despesa, aplicam-se imediatamente, até a próxima apuração anual, as vedações previstas nos incisos II, III e VI a X do art. 167-A da Constituição Federal.
8. Se o resultado fiscal, por 2 anos seguidos, for menor que o limite inferior do intervalo de tolerância da meta, aplicam-se, imediatamente, enquanto perdurar o descumprimento, as vedações previstas nos incisos I a X do art. 167-A da Constituição Federal.
Nos 2 casos, o presidente da República poderá enviar mensagem ao Congresso Nacional acompanhada de projeto de lei complementar que proponha a suspensão parcial ou a gradação das vedações, demonstrando que o impacto e a duração das medidas adotadas serão suficientes para compensar a diferença havida entre o resultado primário apurado de que trata o caput deste artigo e o limite inferior do intervalo de tolerância.
O texto aprovado, assim, adota a previsão contida no art. 163, parágrafo único da CF, que permite a aplicação das restrições e vedações do art. 167-A, por lei complementar, para assegurar “trajetória sustentável” da dívida púbica.
Se a meta não for atingida no primeiro ano, haverá a adoção imediata das seguintes vedações:
a) criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;
b) alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;
c) criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, inclusive os de cunho indenizatório, em favor de membros de Poder, do Ministério Público ou da Defensoria Pública e de servidores e empregados públicos e de militares, ou ainda de seus dependentes, exceto quando derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior ao início da aplicação das medidas de que trata este artigo;
d) criação de despesa obrigatória;
e) adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação, ressalvada a política de valorização do salário-mínimo;
f) criação ou expansão de programas e linhas de financiamento, bem como remissão, renegociação ou refinanciamento de dívidas que impliquem ampliação das despesas com subsídios e subvenções; e
g) concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária.
Se a meta não for alcançada por 2 anos consecutivos, aplicam-se, ainda a vedação de concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de membros de Poder ou de órgão, de servidores e empregados públicos e de militares, exceto dos derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior ao início da aplicação das medidas de ajuste e de admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa; as reposições decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios; as contratações temporárias e as reposições de temporários para prestação de serviço militar e de alunos de órgãos de formação de militares, e de realização de concurso público, exceto para as reposições de vacâncias.
Repetem-se, assim, vedações já adotadas durante a vigência do art. 8º da Lei Complementar 173, de 2020, o que tende a agravar ainda mais o estado de sucateamento da máquina pública e prejudicar a sua atuação em benefício da população em todos os setores, visto que não há nenhuma excepcionalização.
9. Incorpora à Lei Complementar a regra prevista no art. 107 do ADCT, que seria revogado quando de sua publicação, passando a constar como regra permanente a aplicação de limite para as despesas obrigatórias, de 95% da despesa primária total.
10. Caso atingido o limite, aplicam-se, integralmente, e de forma imediata, as vedações contidas no art. 167-A da CF, de forma imediata, sem a graduação prevista no art. 6º (aplicável no caso de descumprimento da meta fiscal), exceto quanto ao aumento do salário-mínimo.
O presidente da República poderá enviar mensagem ao Congresso Nacional, acompanhada de projeto de lei complementar que proponha a suspensão parcial ou a gradação das vedações, demonstrando que o impacto e a duração das medidas adotadas serão suficientes para a correção do desvio apurado.
11. No caso dos Poderes Legislativo e Judiciário e do MPU, respeitado o somatório das dos limites dos respectivos órgãos, a lei de diretrizes orçamentárias poderá dispor sobre a compensação entre os limites individualizados dos órgãos.
12. Descaracteriza infração à Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), no caso de descumprimento do limite inferior da meta de resultado primário, relativamente ao agente responsável, desde que tenha adotado, no âmbito de sua competência, as medidas de limitação de empenho e pagamento, preservado o nível mínimo de despesas discricionárias necessárias ao funcionamento regular da Administração Pública; e não tenha ordenado ou autorizado medida em desacordo com as vedações previstas nos art. 5º e 6º da Lei Complementar (observância dos limites de aumento da despesa em relação ao aumento da receita disponível e aplicação das medidas de contenção de despesas do art. 167-A da CF).
13. Estabelece como nível mínimo de despesas discricionárias necessárias ao funcionamento regular da administração pública 75% do valor autorizado na respectiva lei orçamentária anual.
14. Permite que, se o resultado primário do Governo Central for maior que o limite superior do intervalo de tolerância fixados nos termos da LRF, o Poder Executivo federal amplie as dotações orçamentárias, em valor equivalente a até 70% do montante excedente, e até 0,25 p.p. (vinte e cinco centésimos ponto percentual) do PIB do exercício anterior (ou R$ 26,2 bilhões, em 2024, se considerado o PIB para 2023 estimado pelo PLDO 2024), por meio de crédito adicional, para investimentos e inversões financeiras em programas habitacionais que incluam em seus objetivos a provisão subsidiada ou financiada de unidades habitacionais novas ou usadas, exceto se for apurado déficit no resultado primário.
15. Fixa o montante mínimo de 0,6% do PIB para investimentos e inversões financeiras em programas habitacionais, em cada ano.
16. Altera a LRF, para incluir intervalos de tolerância para verificação do cumprimento das metas anuais de resultado primário, de menos 0,25 p.p. e de mais 0,25 p.p. do PIB previsto no respectivo projeto de lei de diretrizes orçamentárias. Para 2024, esses intervalos seriam de déficit de R$ 28,7 bilhões, ou superavit de R$ 28,7 bilhões.
17. Em 2024, o limite do Poder Executivo poderá ser ampliado por crédito suplementar, após a segunda avaliação bimestral de receitas e despesas primárias, em montante decorrente da aplicação da diferença entre 70% do crescimento real da receita para 2024 estimado nessa avaliação em comparação com a receita arrecadada em 2023 e o índice calculado para fins do crescimento real do limite da despesa primária do Poder Executivo estabelecido na lei orçamentária anual para 2024, respeitado o limite 2,5% acima do IPCA. Se ao final do exercício financeiro de 2024, o montante ampliado da despesa primária for superior ao calculado com base em 70% do crescimento real de receita primária efetivamente realizada, a diferença será reduzida da base de cálculo e subtraída do limite do exercício financeiro de 2025.
O texto aprovado pelo Congresso, ao reformular, drasticamente, o projeto de lei do Poder Executivo, adota linha fiscalista e enfatiza medidas de ajuste fiscal e controle de gastos. Nesse sentido preserva em grande medida as regras que deveria revogar, já previstas no art. 107 da do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
A LDO passa a ter a função de estabelecer as diretrizes de política fiscal e as respectivas metas anuais de resultado primário do Governo Central, para o exercício a que se referir e para os 3 seguintes, compatíveis com a trajetória sustentável da dívida pública.
Introduz, ainda, a Dívida Bruta Global do Governo Geral como critério para aferição das metas de resultado primário, em caráter permanente, desconhecendo os problemas decorrentes desta opção no contexto federativo e do próprio Governo Federal. A apuração do resultado primário e da relação entre a DBGG e o PIB será realizada pelo Banco Central do Brasil.
O projeto altera o montante das despesas sujeitas ao teto de gastos, radicalizando o controle fiscal muito além do que já previa a proposta original. Prejudica, assim, até mesmo despesas que já estavam consideradas como extra teto pelas normas constitucionais vigentes, como é o caso das despesas com o piso dos enfermeiros.
E, ainda, incorpora, em caráter permanente, o limite de 95% para despesas obrigatórias em relação às despesas primárias totais, com aplicação imediata de restrições ao aumento das despesas.
A cada ano, a mensagem que encaminhar o projeto de lei orçamentária anual demonstrará os valores máximos de programação compatíveis com os limites individualizados da despesa.
No caso do Poder Executivo, os pisos das despesas com saúde e educação voltam a ser corrigidas pela variação da receita, e o cálculo do limite de gastos deverá considerar a despesa anualizada das transferências aos fundos de saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na forma de assistência financeira complementar para cumprimento dos pisos nacionais salariais para o enfermeiro, o técnico de enfermagem, o auxiliar de enfermagem e a parteira.
Também fica autorizada, no caso do Executivo, a ampliação do “teto”, no caso de a inflação do ano em curso ser superior à utilizada para correção do teto (IPCA de julho a junho). O resultado da diferença entre a correção calculada com base na variação acumulada do IPCA, e o valor apurado em 12 meses ao final do exercício poderá ser utilizado para ampliar o limite autorizado para o Poder Executivo na lei orçamentária anual, por meio de crédito, quando necessário à suplementação de despesas, nos termos da LDO e da LOA.
No entanto, esse “acréscimo” não se incorporará à base de cálculo do teto dos exercícios seguintes, a partir de 2025.
Essa medida visa, no caso apenas do Poder Executivo, compensar o fato de que, dada a “deflação” artificialmente produzida no segundo semestre de 2022, não reduza a base de cálculo do teto, posto que a inflação medida pelo IPCA de julho de 2022 a junho de 2023 foi de apenas 3,16%, enquanto a inflação de todo o ano de 2023 deverá, segundo o Boletim Focus do Bacen de 21.08.2023, deverá situar-se em 4,9%.
Assim, atingida a meta fiscal fixada pela LDO para 2023 – déficit primário de R$ 65,905 bilhões – a despesa primária sujeita ao teto total poderá ampliada em até 5,56%.
A meta fiscal estabelecida para 2023, porém, poderá ser “ultrapassada” em até 0,25 p.p. do PIB para mais ou para menos. Assim, considerado o PIB de 2023, o déficit total poderia atingir R$ 107,6 bilhões.1
Contudo, o próprio Executivo tem revisado a projeção de resultado primário para 2023, e nos Relatórios de Avaliação Bimestral de Receitas e Despesas Primárias da Secretaria do Tesouro Nacional, já considera déficit em 2023 R$ 145,356 bilhões. Entre os fatores que agravam o resultado fiscal, em 2023, são apontados:
a) aumento das Despesas Obrigatórias com Controle de Fluxo, em R$ 7.523,7 milhões, dos quais R$ 7.300 milhões referem-se ao pagamento do piso da enfermagem; benefícios previdenciários, em R$ 8.361,5 milhões; Abono e Seguro Desemprego, em R$ 3.937,9 milhões; e Apoio Financeiro aos estados e municípios, em R$ 3.862,0 milhões;
b) aumento de repasses para estados e municípios pela compensação à redução de arrecadação do ICMS oriunda da Lei Complementar 194; c) alteração da projeção de despesas com subsídios, subvenções e Proagro em R$ 1,2 bilhão; d) redução da receita líquida do governo central, em menos R$ 2,0 bilhões.2
Para 2024, as projeções são, igualmente, preocupantes.
Embora o PLDO 2024 tenha fixado meta de resultado primário de R$ 0,00, com intervalo de tolerância de -R$ 28,8 bilhões, ou seja, déficit de até esse valor, as estimativas apresentadas pela IFI/SF, com base em fontes diversas, são muito mais negativas, apontando para um resultado primário negativo de até R$ 150,8 bilhões, em 2024.
Assim, a menos que o Poder Executivo obtenha significativos ganhos de arrecadação, e evite o aumento da despesa primária, as metas do PLDO não serão atingidas, o que resultaria na aplicação das medidas de controle da despesa previstas no Projeto de Lei Complementar 93, de 2023.
Os valores do teto de despesas, por Poder, estabelecidos para o ano de 2023 e estimados pelo PLDO para 2024, nos termos do art. 107 do ADCT, incluído pela EC 95/16, são os seguintes:
Nos termos do PLP 93/23, o “teto” dos Poderes passa a ser o valor do orçamento autorizado pela LOA, vigentes na data da publicação da Lei Complementar.
Segundo o Portal Siga Brasil do Senado Federal, os valores orçamentários autorizados até 25 de agosto de 2023, totalizaram R$ 2,010 trilhões.
Excluídos os créditos extraordinários editados em 2023 (Medidas Provisórias 1.168, 1.169, 1.177 e 1.183), seriam excluídos do teto de despesas em 2024 pelo menos R$ 1,356 bilhões, no âmbito do Poder Executivo. Em 2023, foram ainda objeto de transferências para estados, DF e municípios, inclusive para despesas dos Fundeb, R$ 349,6 bilhões, e outros R$ 22,98 bilhões, totalizando cerca de R$ 373 bilhões a serem excluídos da base de cálculo do “teto” de 2024. Com essas reduções, o teto a ser considerado em 2024 seria reduzido em, pelo menos, R$ 374 bilhões.
Corrigido o “saldo” resultante segundo o PLP 93/23, haveria um acréscimo total de R$ 92,6 bilhões.
Os valores, por Poder e órgão, são os seguintes:
Fonte: Siga Brasil/SF. Elaboração: Diálogo Institucional. *Exclusive reserva de contingência financeira (UO 90000), transferências constitucionais e para o Fundeb e FCD.
Contudo, para que o aumento real das despesas sujeitas ao teto de 2,5%, equivalente a R$ 40,91 bilhões, possa ser computado, além do alcance da meta fiscal de 2023, será necessário que haja aumento real da receita recorrente da ordem de, pelo menos, R$ 58,5 bilhões, de forma a que 70% desse valor seja destinado ao custeio do aumento real. Caso contrário, o aumento máximo da despesa estaria limitado a 50% do aumento real da receita recorrente, e a 0,6% além do IPCA de 3,16%.
Esses valores, porém, deverão ser apurados e demonstrados no Projeto de Lei Orçamentária, ou seja, quando do envio do PLOA 2024 deverá ser explicitado o limite de despesas por poder e órgão, já com base no PLP 93/23.
Com tais limitações, restará margem muito limitada para a recomposição salarial dos servidores públicos, ou mesmo para a recomposição das despesas de custeio nos órgãos e entidades do Poder Executivo, e, ainda, para a capitalização de empresas estatais. Em todos esses casos, as medidas de contenção de despesas, desde 2017, e agravadas entre 2019 e 2022, promoveram gravíssimo achatamento de despesas de pessoa, custeio e investimentos, e as exceções ao teto de despesas, aprovadas pela EC 126/2023, que ampliam o teto de despesas em 2023 em R$ 145 bilhões, são ainda insuficientes para fazer frente às demandas represadas, que serão ainda maiores em virtude do retorno da correção dos pisos de despesas com saúde e educação segundo a variação da receita.
Além disso, as previsões de continuação da ocorrência de elevado déficit público em 2023 e 2024, com possível descumprimento das metas fiscais, impedirá que o aumento real de 2,5% acima da inflação seja empregado; nesse caso, o limite de apenas 0,6%,, sobre uma base de cálculo já reduzida, impedirá até mesmo uma modesta recuperação da capacidade institucional do Estado, que requer a realização de concursos públicos, a recuperação salarial dos servidores, o acréscimo nas despesas de custeio e, sobretudo, aumento do investimento para geração de emprego e desenvolvimento.
Caberá ao Executivo promover expressivo aumento da receita primária disponível, e, para isso, conta com os resultados da aprovação da Lei que restabelece o voto de qualidade para a Fazenda Pública no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), que se situaria entre R$ 11 e 55 bilhões, segundo estimativas.3 Apenas num caso, envolvendo dívidas tributárias da Petrobrás, haveria expectativa de arrecadação de R$ 30 bilhões.4 O aumento necessário da arrecadação, porém, atingiria entre R$ 110 bilhões e R$ 150 bilhões5, o que demandaria não somente a revisão de gastos tributários, como maior eficiência arrecadatória e ajustes na legislação tributária, como a aprovação de projeto de lei que muda regras para preços em transações internacionais entre empresas relacionadas, sancionado em junho, com impacto potencial entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões, mudanças nas regras para importações por meio de internet, com impacto potencial de R$ 8 bilhões, regras sobre a tributação de fundos e empresas offshore, com impacto estimado em R$ 10 bilhões, e a taxação das apostas online, com impacto estimado em R$ 12 bilhões.
Antes, porém, do envio do Projeto de Lei Orçamentária para 2024 ao Congresso Nacional, ou mesmo após esse envio, o Governo deverá sancionar a Lei Complementar resultante do PLP 93/23.
Mesmo que a proposta tenha sido resultante de acordos ou de concessões feitas pelo Executivo, visando a sua aprovação, a Constituição assegura ao Chefe do Executivo a capacidade de promover vetos, por contrariedade ao interesse público ou inconstitucionalidade.
Para esse fim, cabe o exame das alterações promovidas, de forma a que sejam vetados alguns dispositivos, entre eles:
a) O § 3º do art. 1º, que prevê que “integram o conjunto de medidas de ajuste fiscal a obtenção de resultados fiscais compatíveis com a sustentabilidade da dívida, a adoção de limites ao crescimento da despesa, a aplicação das vedações previstas nos incisos I a X do caput do art. 167-A da Constituição Federal, bem como a recuperação e a gestão de receitas públicas”. Trata-se de alteração promovida pelo Congresso que radicaliza o viés fiscalista do PLP 93/23, incluindo a aplicação do at.167-A da CF e a priorização da “sustentabilidade da dívida” como princípio a ser observado na gestão fiscal;
b) O § 6º do art. 3º, que estipula que o cálculo do limite do Poder Executivo federal deverá considerar a despesa anualizada das transferências aos fundos de saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na forma de assistência financeira complementar para cumprimento dos pisos nacionais salariais para o enfermeiro, o técnico de enfermagem, o auxiliar de enfermagem e a parteira, de acordo com o disposto nos §§ 12, 13, 14 e 15 do art. 198 da Constituição Federal, vedada a dupla contabilização dos mesmos valores. Trata-se de dispositivo que explicita a obrigatoriedade de ser computado no “teto” o repasse aos entes para cumprimento do disposto na EC 124/2022, e que foram excluídos do teto de despesas fixado pelo art. 107 da CF pela EC 127, de 22.12.22.
c) O § 8º do art. 3º, que define que será acrescido cumulativamente ao limite de despesas do Poder Executivo o crescimento das complementações da União ao Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). Contudo, como a Câmara dos Deputados aprovou a exclusão das despesas do Fundeb do teto de gastos, esse dispositivo perdeu a razão, não tendo sido observada pela Emenda aprovada pelo Senado essa vinculação entre os temas.
d) O art. 8º, que prevê a aplicação do art. 167-A da CF em caso de a despesa obrigatória alcançar 95% das despesas primárias totais. Como já destacado, trata-se de agravamento do viés fiscalista do PLP 93/2023, que não constava do PLP original do Executivo. Em 2023, segundo dados do SIGA Brasil do Senado Federal, a despesa primária total autorizada pela LOA é da ordem de R$ 2,5 trilhões e a despesa obrigatória alcança 91,67% desse valor. Se somarmos as despesas com emendas de bancada e emendas individuais, que também são de execução obrigatória, esse percentual atingirá em 2023 92,83% das despesas primárias totais. Assim, o veto é medido acauteladora e necessária de forma a evitar que seja inviabilizada a gestão orçamentária em 2024 e anos seguintes.
Trata-se, portanto, de questões sensíveis, e relevantes, para que o Governo consiga dar continuidade aos seus compromissos, notadamente no sentido de promover a inclusão dos pobres no Orçamento, ampliar o investimento público e atenuar as perdas salariais dos servidores públicos.
Caso o envio do PLOA, com os ajustes decorrentes da Lei, não seja possível no prazo fixado constitucionalmente (31 de agosto de 2023), o Poder Executivo poderá, ainda, encaminhar após esta data ao Congresso nova mensagem, substituindo a proposta orçamentária ou solicitando ao Relator os ajustes necessários nas estimativas de despesa e receita, de modo que a sua aprovação, até o final da sessão legislativa de 2023, se dê em conformidade com o novo teto de despesas aprovado.
No entanto, a própria LDO, que ainda não foi apreciada pelo Congresso, e cuja observância é obrigatória na elaboração da Lei Orçamentária, requer ajustes e adequações, e aprovação célere, para que esse calendário seja respeitado.
São, assim, desafios de grande complexidade e de difícil equacionamento pelo Executivo e pelo Congresso Nacional, e cuja solução demanda atenção de toda a sociedade e, em especial, dos servidores públicos e de suas entidades, que ainda não tiveram a sinalização adequada das medidas a serem adotadas para que, em 2024, seja assegurado reajuste de suas remunerações, que acumulam enormes perdas inflacionárias desde 2017 e 2019, quando se encerraram os efeitos financeiros das negociações concluídas ainda no governo Dilma Rousseff, em 2016. Os reajustes concedidos em 2023 para servidores dos 3 Poderes, em percentuais de 6% a partir de fevereiro para os servidores do Legislativo, Judiciário e MPU, e 9% a partir de maio para os servidores do Executivo, recuperaram pequena parte das perdas acumuladas desde então.
(*) Consultor Legislativo, advogado, mestre em Administração e doutor em Ciências Sociais.
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1 INFORMATIVO PLDO 2024. Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira – CD e Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle - SF. Congresso Nacional, abril de 2023.
2 Instituição Fiscal Independente/SF. RAF (Relatório de Acompanhamento Fiscal) 79, de 17.08.2023 e MF/STN. Relatórios de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias, 2º Bimestre e 3º Bimestre de 2023.
3 TAIAR, E. Mudança no Carf pode gerar R$ 11 bi anuais, estima BTG. Valor Econômico, 25.08.2023, p. A-6.
4 FERNANDES, A; CARNEIRO, M. Petrobras vai pagar parte do ajuste fiscal prometido por Haddad para 2024 com acordo do Carf. OESP, 15.08.2023. https://www.estadao.com.br/economia/petrobras-vai-pagar-parte-do-ajuste-fiscal-prometido-por-haddad-para-2024-com-acordo-do-carf/
5 MOLITERNO, D. Governo tem 5 dias para enviar Orçamento em meio a dúvidas para atingir metas do marco fiscal. CNN Brasil, 26.08.2023. https://www.cnnbrasil.com.br/economia/governo-tem-5-dias-para-enviar-orcamento-em-meio-a-duvidas-para-atingir-metas-do-marco-fiscal/