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Neuriberg Dias*

A Proposta de Emenda à Constituição elaborada pelo Grupo de Trabalho da Reforma Administrativa é ampla e complexa, tendo como orientação um ajuste fiscal permanente e centralizador, com efeitos imediatos para pressionar uma reorganização da administração pública federal, estadual e municipal, com impactos sobre a expansão do serviço público e da força de trabalho — servidores públicos — nas dimensões do concurso público, dos contratos temporários, do estágio probatório, da carreira, da remuneração, da avaliação de desempenho e da estabilidade dos servidores públicos.

A seguir um resumo dos pontos-chave da Reforma Administrativa:

1) Limite de despesas com pessoal

Estabelece a limitação anual de aumento das despesas com pessoal e despesas primárias para todos os entes federativos (União, Estados, DF e Municípios), conforme a variação da receita primária ajustada: se a receita estiver abaixo da inflação (12 meses encerrados em junho do exercício anterior), a despesa só poderá aumentar até o limite da inflação. Se a receita estiver acima da inflação: a) acréscimo autorizado até o valor da inflação + 50% do crescimento real da receita, se houver déficit primário; b) até 70% do crescimento real, se não houver déficit; c) limite máximo de 2,5% acima da inflação. Trata-se da constitucionalização da regra da Lei Complementar nº 200/2023.

Portanto, a proposta limitará o quanto poderá ser investido pelos governos e impedirá a destinação de recursos para reajustes salariais, criação de novas vagas ou preenchimento de vagas, caso ultrapasse o montante determinado em lei. E o excesso de centralização/autorização fazendária pode postergar reposições e agravar a sobrecarga, precarizando serviços essenciais como saúde, educação, seguridade social, entre outros.

2) Planejamento estratégico

Criação da figura do planejamento estratégico para resultados e dos instrumentos de governança e gestão. No primeiro caso, obriga o Presidente, Governadores e Prefeitos a apresentarem, em até 180 dias após a posse, “planejamento estratégico para resultados, com objetivos e metas para todo o mandato”, que deverá orientar os acordos de resultados, especificamente as metas e objetivos de cada ciclo anual.

E, no segundo, torna obrigatória a celebração, por todos os entes, de acordo de resultados anual, com a definição de objetivos e metas institucionais a serem alcançados no exercício e plano de avaliação periódica de desempenho anual, com a definição de objetivos e metas por equipes e individuais, disciplinados por lei complementar, com a possibilidade de “ampliação da autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades públicas, estabelecendo, nesse caso, os controles, obrigações e responsabilidades dos seus dirigentes”. Só poderá haver progressão funcional dos agentes públicos do órgão ou entidade se houver esses instrumentos de governança e gestão.

3) Concurso público

Os concursos públicos deverão observar critérios mais objetivos e alinhados ao perfil profissional necessário para o exercício das funções. As principais diretrizes são: 1) avaliação de conhecimentos e habilidades estritamente necessárias ao desempenho do cargo; 2) exigência de dimensionamento prévio do quadro de pessoal, com justificativas vinculadas às metas e objetivos institucionais, de acordo com o planejamento estratégico e o acordo de resultados; 3) priorização de carreiras transversais, cuja atuação abrange diversas áreas da administração; 4) possibilidade de concursos unificados organizados pela União, com aproveitamento de cadastros de reserva e pontuações por entes subnacionais; 5) ingresso em níveis intermediários da carreira, limitado a 5% da força de trabalho, para profissionais com maior especialização ou experiência — subvertendo o modelo tradicional de progressão escalonada.

A proposta estabelece que, além do controle dos limites de despesa com pessoal, obriga-se o provimento de cargos transversais, bem como a revisão contínua das estruturas administrativas, com o objetivo de eliminar cargos desnecessários ou obsoletos. Servidores estáveis que ocuparem cargos extintos serão colocados em disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, até que sejam reaproveitados em outro cargo compatível.

4) Contratos temporários e terceirização

O projeto de lei prevê regras para contratação de temporários ou agentes públicos temporários, no prazo máximo de 5 anos, que só poderão ser admitidos por meio de processo seletivo simplificado. Além disso, o projeto concede direitos mínimos a esses trabalhadores, como 13º salário, 30 dias de férias anuais e indenização, quando demitidos, no valor de uma remuneração mensal por ano trabalhado. A proposta também limita o número de contratados para cargos comissionados e de confiança a 5% do total. Esse percentual pode subir para até 10% em situações devidamente justificadas, sendo a PEC.

Permite-se a possibilidade de terceirização, contratos por tempo determinado e a restrição de concursos, com a exigência de avaliar a “execução indireta” antes da reposição, conforme previsto no projeto de lei, ao prever:

A elaboração de estudo técnico preliminar, com a participação da área de gestão de pessoas do órgão ou entidade pública e das respectivas áreas finalísticas, observando-se os seguintes requisitos mínimos:
a) evolução do quadro de pessoal nos últimos 10 anos e projeção da diminuição do número de servidores ou empregados públicos pelo mesmo período, consideradas as prováveis vacâncias de cargos públicos ou extinções de contrato de trabalho;
b) análise de soluções disponíveis para otimização da estrutura organizacional, racionalização das rotinas administrativas e elevação dos níveis de eficiência do quadro de pessoal atual, incluindo avaliação das seguintes alternativas:

  1. realocação da força de trabalho da Administração Pública, conforme reais necessidades administrativas, privilegiando-se as atividades que mais agregam valor aos serviços prestados aos cidadãos;
  2. incorporação de novos recursos de tecnologia da informação e comunicação e implementação de novas ações de governo digital, observada a Lei nº 14.129, de 29 de março de 2021; e
  3. intensificação da estratégia de execução indireta de serviços auxiliares, instrumentais ou acessórios, resguardadas as atribuições inerentes aos servidores e empregados públicos.

5) Estágio probatório

A aprovação no estágio probatório passa a depender de critérios mais rigorosos e objetivos, exigindo: 1) decisão formal e fundamentada, com base em avaliação de desempenho; 2) comprovação de aptidão para o exercício das atribuições do cargo; 3) avaliação por comissão, com critérios, metas e indicadores definidos previamente; 4) participação e aproveitamento satisfatório em ações de capacitação obrigatórias. Caso o servidor não atenda aos critérios, será aplicada a exoneração, conforme previsão constitucional. O estágio probatório passará a ser baseado em uma análise de desempenho com critérios meritocráticos e produtivos.

6) Plano de carreira

A proposta institui diretrizes gerais para a estruturação das carreiras públicas, com destaque para: 1) fim da obrigatoriedade do regime jurídico único, conforme decisão do STF na ADI 2.135; 2) cada ente federativo deverá regulamentar sua estrutura de carreiras no prazo de até 48 meses; 3) mínimo de 20 níveis por carreira, com interstício mínimo de 1 ano por progressão, condicionado à disponibilidade orçamentária e à avaliação de desempenho; 4) a remuneração inicial não poderá ultrapassar 50% do valor do nível final, exceto em carreiras cujo teto seja de até quatro salários-mínimos. Isso terá como efeito o congelamento dos salários e o achatamento das remunerações.

As progressões nas carreiras também serão condicionadas ao desempenho e ao cumprimento de metas, além da disponibilidade orçamentária. O bônus por resultado converterá parte relevante da remuneração em parcela volátil e gerencial, sujeita a metas e a ciclos orçamentários, sem resolver defasagens salariais estruturais.

7) Remuneração

Está prevista, no prazo de até 10 anos, a criação de uma tabela remuneratória única por ente federativo, com as seguintes características: 1) valor inicial: salário-mínimo; 2) valor final: teto remuneratório do respectivo ente; 3) cada carreira será enquadrada em níveis da tabela, conforme lei específica; 4) alterações só poderão ocorrer por lei, exceto nos casos de reajuste do piso vinculado ao salário-mínimo.

A tabela única remuneratória para todas as carreiras não será corrigida pela inflação, mas sim por legislação específica, promovendo efeitos no achatamento da remuneração dos servidores públicos.

A proposta prevê ainda a proibição do aumento de remuneração ou de parcelas indenizatórias com efeitos retroativos, inclusive por meio de lei, e, ainda, da progressão ou promoção exclusivamente por tempo de serviço. Além disso, extingue os triênios, anuênios e licenças-prêmio, e limita o pagamento de adicional de insalubridade e periculosidade.

8) Avaliação de desempenho

A avaliação de desempenho torna-se obrigatória para todos os agentes públicos, com os seguintes objetivos: 1) verificar a contribuição individual e coletiva para o cumprimento das metas institucionais; 2) reconhecer e valorizar o bom desempenho, inclusive para nomeação em cargos comissionados, funções de confiança e concessão de bônus; 3) identificar necessidades de capacitação profissional.

A avaliação deverá ser: 1) objetiva, transparente e fundamentada, com ampla garantia de contraditório e defesa; 2) revisável por instância colegiada; 3) condição obrigatória para progressão funcional, concessão de bônus de resultado e manutenção em cargos estratégicos.

A avaliação passará a ser usada como instrumento de controle fiscal, ao vincular avaliação à progressão/promoção e abrir uso para perda do cargo e demissão dos servidores públicos.

9) Direitos históricos

A proposta desconstitui direitos históricos dos servidores e empregados públicos, como tempo de serviço, licença-prêmio, progressões por tempo e outras licenças, e descaracteriza condições especiais, como insalubridade e periculosidade, com impacto direto na proteção social e na valorização da carreira.

No geral, foram incluídas as seguintes vedações:

  1. Férias superiores a 30 dias/ano (exceto para professores e profissionais da saúde com risco);
  2. Adicional de férias acima de 1/3;
  3. Acúmulo de férias por mais de dois períodos;
  4. Adicionais por tempo de serviço;
  5. Aumentos com efeitos retroativos;
  6. Licença-prêmio, assiduidade ou vantagens similares baseadas apenas em tempo de serviço (exceto licença para capacitação);
  7. Progressões/promoções exclusivamente por tempo;
  8. Concessão de folgas/licenças adicionais por acúmulo de funções, sem previsão legal específica;
  9. Adicionais de periculosidade/insalubridade por critério genérico de categoria — exigida perícia individual documentada;
  10. Conversão em pecúnia de férias/licenças não usufruídas;
  11. Verbas criadas por norma infralegal, exceto de natureza reparatória, episódica e não rotineira;
  12. Pagamento a afastados/licenciados de:
  • Cargos em comissão,
  • Funções de confiança,
  • Bônus de resultado,
  • Verbas indenizatórias não permanentes;
  1. Extinção da paridade de aposentados e pensionistas com ativos, quanto a verbas variáveis;
  2. Vedação à extensão de direitos entre carreiras por simetria ou paridade.

10) Bônus de Resultado

Estabelece a possibilidade de instituição, por lei de cada ente federativo, de bônus de resultado para servidores (exceto agentes políticos eleitos). Define como requisitos:

  1. Limite de até 90% dos limites de despesa com pessoal do art. 169 da CF;
  2. Condicionado à celebração de acordo de resultados, com metas institucionais anuais;
  3. Pagamento vinculado ao desempenho anual (exercício de 01/01 a 31/12);
  4. Exceção ao teto remuneratório: até 2 remunerações anuais (ou até 4, para ocupantes de CCs e FCs estratégicos).

11) Cargos em Comissão e Funções de Confiança

Os cargos em comissão (CCs) devem ser:

  • Preferencialmente preenchidos por processo seletivo;
  • Limitados a 5% do total de cargos providos por ente federativo, com exceção de municípios com até 10 mil habitantes (até 10%);
  • Pelo menos 50% devem ser ocupados por servidores efetivos.

Já os cargos estratégicos (máx. 5% dos cargos e funções de confiança):

  • Devem ter ao menos 60% de ocupação por servidores efetivos;
  • Os ocupantes de CCs e FCs estarão sujeitos à avaliação de desempenho periódica diferenciada, vinculada às metas e objetivos do acordo de resultados.

12) Estabilidade do servidor

A proposta mantém a estabilidade no serviço público, mas reforça os critérios de desempenho como condição para sua manutenção. A estabilidade será adquirida somente após:

  1. Aprovação em estágio probatório rigoroso, com base em avaliação formal de desempenho e cumprimento de metas;
  2. Participação obrigatória em ações de capacitação;
  3. Existência de acordo de resultados e plano de avaliação periódica, com metas institucionais, individuais e de equipe.

A estabilidade não impede o desligamento do servidor, que poderá ocorrer mediante processo administrativo, decisão judicial ou avaliação de desempenho insuficiente e recorrente, com garantia de ampla defesa e contraditório.

A tramitação dessas propostas - em particular a PEC - ainda depende que seja protocolada na Câmara dos Deputados e aguardar o despacho do presidente da Casa, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), que poderá criar um atalho para cortar caminho que é o apensamento a proposição pronta para votar no Plenário.

Fora isso, o Regimento exige 1) Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) para admissibilidade; 2) criar comissão especial:

10 sessões para apresentação de emenda, exige 171 assinaturas; e 40 sessões para votação na comissão especial. E ainda ser debatida e votada no Senado Federal.

Leia também: GT da Reforma Administrativa: Propostas e Tramitação

*Jornalista, Analista Político, Diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) e Sócio-Diretor da Contatos Assessoria Política.

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