2021, o ano da vacina
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2021 será o ano da vacina, apesar de Bolsonaro, e, graças à dedicação de cientistas no Brasil e no mundo. As vidas perdidas são irreparáveis e deixam um rastro de luto e sofrimento. Mas, finalmente, podemos hoje ver uma porta de saída para a pandemia do coronavírus.
Guilherme Boulos*
Há, porém, outra epidemia, não menos devastadora, que ameaça o Brasil em 2021: a da miséria. Essa foi contida até aqui devido ao auxílio emergencial — aprovado contra a vontade de Bolsonaro em março —, que beneficiou 68 milhões de famílias.
O auxílio atendeu a 67% dos desempregados brasileiros e a mais de 40% das mulheres chefes de família. O valor representa mais da metade da renda familiar para 23 milhões de pessoas e a única fonte para outros 9 milhões. Ou seja, estamos falando da fronteira entre ter ou não comida à mesa.
Acabar com o benefício, em meio à segunda onda da pandemia, é um gesto bárbaro de irresponsabilidade social, ainda mais ante o fato de que no fim do ano o país chegou a 14,1 milhões de desempregados, recorde da série histórica do IBGE.
As quase 70 milhões de famílias que deixarão de receber o auxílio, a partir deste mês têm diante de si um mercado de trabalho sem oportunidades. Estarão jogadas à própria sorte.
Estamos falando de gente com fome. De mais gente morando na rua, já que o benefício é utilizado por muitos para pagar o aluguel de algum cômodo nos fundões urbanos. Estamos falando de desespero. Se isso se traduzirá em saques e convulsão social, como em outras crises, é algo imponderável.
Aos que, de mesa cheia, não se sensibilizam com a fome dos outros, falemos então das consequências econômicas.
Serão R$ 32 bilhões a menos na economia por mês. Quem recebe o auxílio gasta no consumo, frequentemente no comércio local: no mercado, no açougue, na padaria do bairro. Sem esse dinheiro em circulação, poderemos ter nova onda de falências nos pequenos negócios e mais desemprego. É notório que os programas de transferência de renda têm efeito econômico multiplicador, ampliando o consumo popular, estimulando a geração de emprego e gerando impacto positivo na arrecadação tributária.
Mas até aqui a maioria da elite política e econômica do país lava as mãos e assiste placidamente à tragédia anunciada da epidemia de miséria. Uniram-se no mote de Bolsonaro: “não posso fazer nada”. Aliás, não é a primeira vez que bolsonaristas e liberais — adversários no tema da vacina — se juntam quando as vidas que estão em jogo são apenas as do andar de baixo.
Neste início de ano, as grandes batalhas nacionais serão pelo início da vacinação e pela manutenção do auxílio emergencial. Nos 2 casos, trata-se de defender a vida.
(*) Professor, militante do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e político. Reproduzido pela Agência Sindical, foi publicado originalmente na Folha de S.Paulo, nesta segunda-feira (11).