Burocratismo sindical: um espectro que nos ronda
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Restringir os ganhos das negociações coletivas apenas aos sócios do sindicato é um equívoco programático e um erro pragmático.
Milton Rezende*
Essa posição reaparece com força no meio sindical, como resposta aos impactos da ofensiva patronal, jurídica e governamental ao sindicalismo e a um certo rancor por parte de alguns sindicatos com a baixa adesão dos trabalhadores. Entretanto, trata-se de uma resposta que restringe o problema à sustentação financeira das entidades.
Essa proposta consiste em definir como beneficiários dos resultados das negociações coletivas encampadas pelo sindicato apenas os que estão filiados a este. Os não-sócios, portanto, estariam constrangidos a contribuir financeiramente com a entidade, associando-se a essa, para obter o direito de usufruir daquelas conquistas.
É uma ideia equivocada no sentido programático, antagônica à concepção sindical combativa, não economicista e não corporativista e que busca representar o conjunto da classe trabalhadora, tendo como objetivo estratégico a alteração da sua condição de exploração pelo capital. Além disso, é uma contradição com a nossa visão de unidade: defendemos a liberdade e autonomia sindical em um cenário de unidade, como espaço de expressão das diversas correntes dentro do sindicalismo, rompendo com o conceito de categoria que restringe e limita nossa capacidade de luta dentro dos locais de trabalho. Os sindicatos têm um papel histórico que é de representar o conjunto da classe trabalhadora. Nesse momento de forte ofensiva patronal e governamental, afirmar esses princípios significa ampliar a representação para além da categoria profissional. A confiança no sindicato é resultado das lutas e da capacidade de manter e ampliar direitos e não os restringir aos associados.
Possuímos um mercado de trabalho historicamente marcado pela heterogeneidade estrutural, com um leque salarial amplo, que convive com diferentes tipos de trabalhadores num mesmo local de trabalho. A fragmentação sindical acompanha a fragmentação existente no mercado de trabalho e essa situação não tem caminhado para ser revertida por meio da organização política da classe trabalhadora.
Ter como opção da própria organização sindical a segregação de direitos no interior da sua base de representação é um erro programático. Significa colocar a entidade sindical como mais um instrumento de desestruturação do mercado de trabalho e, portanto, um elemento que instiga a precarização.
Por outro lado, o argumento pragmático está completamente errado. Uma vez filiado ao sindicato, o trabalhador terá benefícios e direitos que os demais não filiados não terão. Ao patrão, a vida será facilitada para reduzir os custos com o trabalho e fragilizar a organização dos trabalhadores. Bastaria despedir os filiados e manter ou admitir apenas os não sindicalizados — que teriam salários menores e menos custos advindos dos benefícios e direitos resultantes das negociações. Mataria 2 direitos com uma homologada só: o direito trabalhista e o direito de organização sindical.
As experiências internacionais demonstram o equívoco dessa estratégia. Nos Estados Unidos, por exemplo, além de não reverter o número de associados, em torno de 7%, facilita as dispensas motivadas pela adesão aos sindicatos.
Em nossa concepção sindical, a autossustentação financeira das entidades resulta do convencimento por meio da conscientização política e da luta por mais direitos e não por mecanismos de segregação. É o que dá sustentação à bandeira histórica e fundante da CUT (Central Única dos Trabalhadores) por liberdade e autonomia sindical.
A proposição refutada no presente texto parte de uma posição meramente financeira e burocrática, equivocada e ingênua. Nossa nitidez sobre a concepção sindical que defendemos historicamente é uma arma fundamental para conseguirmos superar a situação atual e nos colocarmos como alternativa real de organização e representação da classe trabalhadora em seu conjunto. Não nos afastemos disso, vamos de mãos dadas.
(*) Sociólogo e pesquisador do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho) da Unicamp (Universidade de Campinas). Este foi publicado na página da CUT Nacional em novembro de 2019, mas está atualíssimo.