Sobre a tal desindustrialização
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A esquerda liberal derrama lágrimas de pesar quando as empresas multinacionais anunciam o fechamento de fábricas após décadas de funcionamento no Brasil. A direita liberal dobra a aposta ao indicar que o “ambiente de negócios” não propicia a atração de capitais, razão pela qual avança nas reformas capitalistas que aumentam a exploração da força de trabalho e assaltam ao Estado por múltiplas vias (cambial, fiscal, monetária), especialmente as privatizações.
Nildo Ouriques*
Quando iniciei meus estudos em economia na UFSC (no século passado!) ninguém podia ignorar um bom estudo sobre as multinacionais. Ninguém é ninguém mesmo! Até mesmo os neoclássicos ou os reaças de então (que defendiam a ditadura), eram obrigados a se posicionar sobre a presença das multinacionais no Brasil. Pois bem, o aparente paradoxo decorre do exponencial crescimento das multinacionais na economia mundial e o desprezo absoluto que a maioria dos professores e estudantes de economia destina ao estudo das firmas multinacionais.
Ora, a formação do economista sofreu grave regressão intelectual nas últimas décadas. Não é exclusividade dos economistas, obviamente, mas não torna o problema menor. As multinacionais, na tradição crítica, eram responsáveis pela transferência de valor da periferia para o centro, signo da dependência tecnológica, monopolização do mercado interno e até mesmo — segundo alguns — pela produção de uma aristocracia operária na periferia, entre outros males típicos que marcam o subdesenvolvimento da América Latina. A heterodoxia que venceu entre nós a partir de 1985 com a reformulação dos currículos em nome do “pluralismo” produziu o esquecimento programado dos temas centrais que poderiam sustentar a formação do economista mais apegada aos problemas reais, típicos de um país dependente e subdesenvolvido.
Na real, a diferença entre um economista ortodoxo ou heterodoxo desaparecia quando os últimos substituíam os primeiros na condução da política econômica. O antigo bordão — nada mais parecido que um conservador do que um liberal no poder — se ajustava a luz do dia: nada mais parecido a um liberal do que um keynesiano no ministério.
E os marxistas? Bueno, os meus camaradas se refugiavam no estudo de “O Capital”, na época limitado ao estudo do tomo I. A situação melhorou um pouco, mas nada de maneira significativa. assim, a realidade brasileira e latino-americana foi também esquecida pelos marxistas e a retomada da senda crítica apenas iniciou há poucos anos. Lentamente, claro está.
Ora, as multinacionais possuem estratégias globais desde sempre, não é algo novo. Um conjunto de “fatores” fazem com que as multinacionais não mais necessitem produzir na periferia capitalista latino-americana. O eixo da acumulação mundial se deslocou, digamos assim. As multinacionais seguirão saindo… nada que a “vontade política” vulgar possa fazer e menos ainda mitigar com medidas de atração de capitais que sangram o estado, empobrecem nosso povo e engordam o caixa das firmas multinacionais por um tempo reduzido.
Agora, mais do que em qualquer outra época, teremos que discutir aquilo que o liberalismo de esquerda (de direita também!) chama de “projeto de nação”. As multinacionais não mais necessitam ter aqui as plantas produtivas; a burguesia “nacional” não tem a menor capacidade de ocupar o espaço “vazio”. Nessa aparente solidão, nos defrontamos com a questão central: afinal, qual o caminho da Revolução Brasileira?
(*) Professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e presidente do Iela-UFSC. Publicado originalmente no portal Disparada