A Reforma Administrativa no contexto da EC 109/21 e do Orçamento
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Antes de escrever sobre os principais retrocessos da Reforma Administrativa (PEC 32/20) em curto prazo, é necessário contextualizar a aprovação no Congresso Nacional da PEC 186/19, convertida na Emenda Constitucional 109/21, que proporciona novo regime fiscal chamado de emergencial, e do PLN 28/20, do Orçamento Público federal, para o exercício financeiro atual, que vai promover apagão no serviço público.
Neuriberg Dias*
A PEC 186 foi concebida, de um lado, para dificultar a ampliação dos gastos públicos com políticas sociais e com pessoal, e, de outro, para ampliar espaço de gastos discricionários, como investimentos e pagamento de juros e encargos da dívida mediante o emprego de “gatilhos” que congelam gastos essenciais e suspendem a ampliação de novas políticas púbicas.
Ou seja, criar, ampliar e estimular políticas públicas em diversas áreas como a da saúde, educação, segurança, infraestrutura e habitação, que já são fortemente comprometidos por conta da EC 95/16 (Teto de Gastos), agora ficarão inviabilizados com as novas regras. O desafio de interiorizar e levar políticas públicas para os mais pobres ficou ainda mais difícil.
Se não fosse o trabalho dos partidos de oposição, a situação seria ainda mais crítica, pois as legendas evitaram a aprovação da desvinculação de recursos mínimos para saúde e educação e, ainda, mantiveram a prorrogação do auxilio emergencial, mesmo com valores abaixo de R$ 600.
O PLN 28/20, Orçamento da União para 2021, mantém a visão do governo sobre o papel do Estado na economia e na saúde e aprovou, com previsão de investimentos menores, que os valores executados para o setor em comparação a 2020.
O Conasems (Conselho Nacional de Secretarias municipais de Saúde) advertiu em nota pública a urgência de financiamento de ações e serviços públicos em saúde nesse momento grave de pandemia. E para a economia, empresas e trabalhadores, o Orçamento não considerou a necessidade de prorrogação de benefício emergencial de emprego e renda.
A PEC 32/20, que trata da Reforma Administrativa, se insere justamente neste contexto fiscal para acabar com direitos e provocar o esvaziamento dos serviços públicos para caber dentro desse novo regime fiscal tão perverso para a sociedade e tão generoso ao garantir os recursos economizados para pagamento da dívida pública que atende aos desejos do mercado financeiro.
A proposta, basicamente, inverte a lógica ao retirar direitos e incluir restrições ao modificar 14 pontos na Constituição Federal, a saber: 1) princípios da Administração Pública; 2) vínculos e forma de ingresso no serviço público: cargos em comissão e contratações temporárias; 3) acumulações de cargos; 4) direitos e vantagens; 5) contratos de gestão; 6) instrumentos de cooperação; 7) regime jurídico; 8) estabilidade; 9) regime previdenciário; 10) competências do Executivo e reserva legal; 11) militares; 12) empresas estatais e seus empregados; 13) regras de transição; e 14) revogações.
A PEC 32 do jeito que foi concebida não vai melhorar o serviço público para a população, porque tem como missão acabar com a política de Estado ao prever o fim da estabilidade dos servidores, extinguir o regime próprio e criar novas formas de contratação, que traz de volta o fantasma do apadrinhamento político, que visa, em último caso reduzir:
1) o valor de salários e benefícios; 2) os salários iniciais e a velocidade de progressão na carreira dos novos contratados; 3) a taxa de reposição dos servidores; e 4) o serviço público e transferir para a iniciativa privada por meio de contratos de gestão e instrumento de cooperação e privatizações (subsidiariedade).
Caso avance essa proposta dentro do novo regime fiscal, na forma que foi enviada pelo governo Bolsonaro, não será exagero dizer que vai substituir o Estado bem-estar social, pelo Estado mínimo, com retrocessos inimagináveis garantidos na Constituição.
Cabe destacar que atacar a Reforma Administrativa, no contexto em que foi apresentada pelo governo somente para conter a despesa dentro duma agenda fiscal, não é um ato de corporativismo dos servidores públicos, mas de bom senso e, sobretudo, de manutenção de direitos da população, em particular dos mais pobres.
O combate à Reforma Administrativa é a tentativa de garantir um debate amplo, que discuta a despesa, mas também a receita, algo deixado de lado pelo atual governo e que comprometerá ainda mais o papel do Estado para cumprir com as obrigações com a população, em especial, os mais carentes e que necessitam mais dos serviços públicos.
(*) Assessor técnico, analista político licenciado do Diap e sócio-diretor da Contatos Assessoria Política.