É no primeiro ano do mandato que o governo sinaliza o projeto que será implementado ao longo dos próximos 4 anos. As linhas mais claras deste projeto são definidas no Plano Plurianual Anual (PPA 2024-2027), que deve ser votado até o final do primeiro ano do mandato, praticamente em conjunto com a próxima lei orçamentária. A primeira tarefa do presidente eleito é a formação do governo; a costura da coalizão de apoio do Poder Executivo no Parlamento.

Alexandre Sampaio Ferraz*

alexandre sampaio ferrazAs regras do sistema eleitoral e partidário tornam improvável que o partido conquiste mais do que 50% das cadeiras no Legislativo, induzindo os candidatos à presidente a montar coalizão de apoio desde a eleição, em torno de projeto comum de governo. Não foi diferente com Lula, cuja campanha reuniu 7 partidos em torno da “Federação Brasil da Esperança”.

A coalizão eleitoral liderada pelo PT conquistou 114 vagas na Câmara, e teve, ainda no primeiro turno, o apoio de outros 2 partidos que conquistaram mais 8 cadeiras.

No segundo turno, a candidata derrotada do MDB, Simone Tebet, aderiu a coalizão eleitoral de Lula, sem garantir o apoio do Cidadania e parte do MDB. O PSDB também garantiu o apoio explícito a Lula no segundo turno, graças à “bancada paulista”, mas se manteve como oposição após a eleição.

O Podemos, que seria pouco depois absorvido pelo PSC, negou o apoio explícito a Lula. O PDT também aderiu à frente ampla contra o bolsonarismo, após a derrota de Ciro Gomes, elevando para 14 o número de partidos da coalizão eleitoral, sem contar acenos “isolados” de políticos, cujo partido preferiu a neutralidade. Juntos, esses partidos haviam conquistado 199 cadeiras, no primeiro turno, ou 39% dos votos na Câmara federal.

A vitória no segundo turno conferiu ao presidente eleito a missão de formar o governo, e garantir os votos para implementação da agenda vitoriosa. Só que a aliança eleitoral somava apenas 39% da Câmara, e o presidente precisaria no mínimo do apoio da maioria do Parlamento ou mesmo os 308 deputados necessários para aprovar mudanças constitucionais.

A necessidade de ampliar a coalizão, colocou para o governo outro desafio, o de negociar novos pontos do projeto vencedor nas urnas.

Para atrair os novos sócios, o chefe do Poder Executivo fez como em qualquer outro país multipartidário, com governos de coalizão: dividiu o poder com a nomeação dos aliados para cargos chave e negociou o projeto ou a agenda do governo a ser implementada.

A primeira batalha do governo, ainda antes de tomar posse, foi a costura da “PEC da Transição”, aprovada por 331 votos favoráveis na Câmara, e 63 votos no Senado, apesar de algumas defecções entre os partidos da “base”, como MDB, e União Brasil.

O resultado já refletia os esforços do presidente para montar coalizão capaz de garantir a governabilidade. O primeiro ministério reuniu 9 partidos, representando 209 cadeiras na Câmara. Alguns partidos que apoiaram o governo não assumiram ministérios, mas foram contemplados em outras posições, como PV e Solidariedade. O presidente havia conquistado a maioria dos votos, mas a coalizão de governo representava apenas 46% da Câmara, sinalizando grandes dificuldades para o presidente na condução do governo.

O segundo teste veio com as votações do “Novo Regime Fiscal”. O PLP (projeto de lei complementar) demandava maioria absoluta, e foi aprovado com folga na Câmara e no Senado. O sucesso do governo na aprovação da matéria mostrou que a base estava em condições de garantir a governabilidade, mesmo com constantes atritos devido à adesão parcial de alguns partidos.

O projeto vitorioso nas urnas passava a contar com novas contribuições, modificando seu carácter inicial, e dobrando o desafio do presidente para imprimir pautas ideologicamente mais distantes dos “novos sócios”.

Gráfico - Evolução da Coalizão
evolucao coalizao
Fonte: TSE, jornal. Elaboração do autor. * Para aprovar o impeachment na Câmara são necessários 2/3 ou 342 votos.
** Metade do quórum mínimo para que um projeto de lei seja votado no plenário

Parte da agenda vitoriosa, principalmente as pautas “sociais”, o governo procurou tocar por meio de medidas provisórias. A briga entre os líderes do Senado e da Câmara dificultou a aprovação das primeiras MP, inclusive a que estabelecia o desenho do Poder Executivo. Até agosto foram 32 MP enviadas, 5 dessas convertidas em lei ordinária, incluindo a reformulação do Poder Executivo, tratando dos programas Minha Casa Minha Vida, Mais Médicos, e do reajuste do salário-mínimo.

Apesar de algumas MP terem “caducado”, nem todas as perdas de eficácia foram derrotas do governo. A aprovação do novo Bolsa Família, e do Programa de Aquisição de Alimentos foram inseridas na agenda por MP, e posteriormente aprovadas por meio de projeto de lei.

A taxação de offshores, que fazia parte da MP que corrigiu a tabela do Imposto de Renda caiu, mas a correção do IRPF foi aprovada, com o reajuste o salário mínimo. Essas derrapadas acenderam o alerta do governo, trazendo para a pauta possível reforma ministerial.

O novo teste da base veio com a Reforma Tributária, o governo bancou a PEC 45, que tramitava na Câmara e que tinha apoio também do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). A proposta foi aprovada com folga na Câmara, em 2 turnos, e seguiu para o Senado onde está sendo analisada. A vitória do governo veio antes mesmo da reforma ministerial, que estava sendo negociada, e teve seus louros divididos com a oposição.

O hábil presidente da Câmara formou a própria base, em maio, com 174 deputados e 9 partidos, cacifando o Progressistas na barganhar para entrar na coalizão de governo. Os votos contrários na nova regra fiscal, e na Reforma Tributária mostraram oposição fraca, com o controle de menos de 1/4 dos deputados federais.

A base formada por Lula, contudo, se mostrou pouco comprometida com as pautas mais progressistas do governo, como a recusa do marco temporal ou a taxação das offshores, que vem sendo discutida por meio projeto de lei, após os deputados recusarem sua introdução por meio de MP.

A aprovação da Reforma Tributária sobre o consumo será grande vitória do governo, após diversas tentativas fracassadas. Mesmo diante das dificuldades, o PT defendeu desde o início que o projeto incluísse também alterações na tributação da renda e da propriedade. A troca da base tributária, reduzindo a tributação sobre o consumo, de natureza regressiva, e ampliando a tributação progressiva sobre a renda e a propriedade é uma das principais bandeiras do partido.

Mas o governo optou pelo pragmatismo, apoiando a tramitação da primeira fase, já consensual, e prometendo encaminhar a proposta de tributação mais justa sobre a renda e o patrimônio posteriormente. Apesar dos méritos da Reforma Tributária sobre o consumo, manteremos uma das alíquotas mais altas do mundo sobre bens e serviços. Por isso, aprovar a segunda etapa será fundamental e grande teste para reforma ministerial, que incluiu PP, Republicanos, e pavimentou o caminho para a governabilidade.

(*) Economista e doutor em ciência política

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