Partindo da Teoria do Fato Social, de Émile Durkheim, o ser humano é produto do meio. O sujeito é criador e criatura do tecido social, ou que constitui e é constituído pela realidade. Neste sentido, a análise individual é, em si, análise social, pois o indivíduo de alguma forma interage com seu ambiente, seja influenciando o ambiente ou sendo influenciado por esse.

Lucas Batista de Carvalho*

lucaspinheiroFaz-se necessário, portanto, nos debruçarmos sobre os modos de subjetivação, pois toda análise individual é em suma análise social. As marcas históricas da violência na formação da identidade individual são evidentes, há contexto que ajuda a explicar a formação de cada pessoa, principalmente quando esse sujeito é o autor ou a vítima da violência.

Como dizem as autoras do artigo “Da vida dos jovens nas favelas cariocas - Drogas, violência e confinamento”, a violência, em algum grau, é parte desta convivência no meio em que estão inseridos. Assim, o contexto hipermoderno atual potencializa as situações de violência.

Visto que nenhum valor é absoluto a não ser o “deus mercado”, a “radical liberdade individual” e a “voraz eficiência técnica”, que gera excesso de informações e ao mesmo tempo vazio de intenções, tornando prioritário nessa “sociedade líquida” o bem estar e o prazer a qualquer custo em detrimento de algum pensamento social.

Temos assim coletivo de indivíduos ególatras pouco afeitos a compromissos sociais e interessados apenas no que lhe trarão benefício pessoal e/ou individual.

Os problemas sociais só importam quando afetam a necessidade individual, como, por exemplo, o problema da inflação deixa de ser problema quando este tira o poder de compra da maioria pobre da sociedade, mas é problema quando influencia a alta do dólar e dificulta viagens para o exterior...

Esta anomia social (defendida também por Durkheim) leva essas pessoas inebriadas em seu ego a defenderem teses da meritocracia em detrimento da equidade, como se o jovem que cresce em contexto de violência tivesse as mesmas igualdades de oportunidades do que aquele jovem na mesma idade que cresce em contexto sem violência.

A intensa busca individual para “ser alguém” acaba em 'vulnerabilização' do outro, sendo que todos os seres sociais devem ser vistos como “alguém” dotado de garantias e direitos, iguais em oportunidades, como diz a Declaração Universal dos Direitos Humanos:

"Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição"

Esse egocentrismo e narcisismo da sociedade hipermoderna gera contexto em que as pessoas idolatram a própria imagem e seus iguais e desprezam os diferentes e desiguais, o que permeia em conjunto de indivíduos consumistas, cujo comportamento é de que tudo e todos fazem parte do rol dos produtos que satisfazem sua “beleza” e “ego” coisificando pessoas, ou seja, tirando sua personalidade humana e — por consequência — naturalizando a violência contra aquele que é diferente.

Neste condão vale dizer, muitas respostas violentas dos “diferentes coisificados” são consequências diretas desse “processo de coisificação”, cabendo ao Estado Democrático de Direito romper com essas estruturas de violências.

Podemos inferir que o problema social é problema coletivo. Ou seja, se envolve 1, pode envolver a todos, inclusive eu.

O problema da violência doméstica, por exemplo, pode ser que não afete ninguém do ciclo de convivência. No entanto, se cada indivíduo não se mobilizar e mobilizar a sociedade contra esse problema e os males desse decorrente, algum dia poderá ser problema que poderá afetar diretamente pessoas próximas.

Por isso, enfrentar 1 problema social é sempre urgente, pois os indivíduos são parte dessa sociedade, se o direito de 1 é afetado, o direito de todos é ameaçado.

Faz-se necessário avaliar os problemas e fenômenos sociais com responsabilidade e intuito de enfrentá-los e não se omitir.

O que faz lembrar do Contrato Social de Rousseau, o homem nasceria bom, mas a sociedade o corromperia. O ser humano nasceria livre, mas a sociedade lhe deixaria preso nos grilhões da vaidade e corrupção.

Tornando-se escravo das suas próprias vontades e da vontade dos que o rodeia, por isso seria importante a celebração de pacto social em que as pessoas perdem a “liberdade natural” para usufruírem da “liberdade civil”, sendo ao mesmo tempo agentes passivos e ativos do contrato, fiscal e fiscalizado.

Portanto, todos são parte do mesmo tecido social. Deve-se buscar os direitos fundamentais universalmente. Para as crianças, para a pessoa idosa, para a pessoa com deficiência, para as famílias. Garantir os direitos à dignidade e à igualdade para todas as pessoas. Garantir o direito de 1 é garantir o direito de todos.

(*) Gestor público, MBA em Gestão de Projetos e analista político na Consillium Soluções Governamentais e Institucionais

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