A lei do aborto no Brasil, à luz do PL 1.904
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Em Brasília, tramita o PL (Projeto de Lei) 1.904, que altera a lei do aborto, hoje permitido em apenas 3 casos: estupro, risco de morte para a mãe e anencefalia do feto, em qualquer fase da gravidez da gestante que o requerer. O projeto faculta à mulher o aborto decorrente de estupro até a 22ª semana de gestação e o equipara a homicídio, com as penas consequentes, se realizado a partir da 23ª semana.
Luciano Fazio*
A apreciação do PL ganhou mais tempo, depois das fortes reações da sociedade, oportunizando os aprimoramentos que a lei carece, alguns restritivos e outros extensivos.
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A grande questão está em determinar quando o direito à vida do nascituro deve ser assegurado pelo Estado. Essa definição não é simples, mas — no âmbito médico — há relativo consenso de que seria com 22 semanas após a concepção, mesmo que leis de outros países estipulem tempos menores — 90 dias na Itália e 14 semanas na Argentina, onde a mulher não tem de justificar seus motivos.
A lei vigente faculta o aborto após estupro até a véspera do parto. No entanto, não pode ser eticamente aceita a eliminação de feto com 6 a 7 meses de gestação, que em geral sobrevive em caso de parto prematuro.
Ao adotar o limite de 5 meses, o PL 1.904 estabelece o critério de que, apenas na fase final da gestação, o Estado deveria proteger a vida do feto. Coerentemente, com esse critério, a lei deveria descriminalizar o aborto no início da gravidez — nas primeiras 22 semanas? —, mesmo na ausência de estupro, como em outros países.
Para os abortos não permitidos, o PL 1.904 dispõe de punições excessivas, que a OAB julga inconstitucionais. É necessário mitigá-las.
No País, o aborto constitui drama, afetando dezenas de milhares de mulheres a cada ano, muitas delas menores de idade. Esse drama é parte de problema maior: a gravidez indesejada, que costuma arruinar a vida de muitas meninas e mulheres e decorre, em grande medida, da insuficiência de ações preventivas, como a educação sexual nas escolas e nas unidades de saúde pública.
Visando os melhores resultados possíveis, essa educação deve ser baseada em visão do sexo como componente potencialmente enriquecedor da vida e das relações humanas e, dentro desse contexto, incluir a instrução sobre métodos contraceptivos.
Em suma, a lei não pode se limitar à restrição e punição do aborto, mas deve dispor de ações preventivas do Estado contra a gravidez indesejada, para superar os tabus e a desinformação em relação ao sexo e diminuir as ocorrências do fenômeno e as práticas abortivas.
PL 1.904 é perverso
Quanto ao estupro, o PL 1.904 é perverso: traz medidas mais duras contra as mulheres, sem nada dispor para coibir mais eficazmente essa prática e punir mais severamente seus autores.
O tema do aborto divide o País, ao estilo Fla x Flu — torcer para o próprio time e querer a derrota do adversário, sem nada mais. De um lado, há os total e intransigentemente contrários; de outro, os defensores da absoluta liberdade da mulher, esquecendo a outra vida em jogo — a do nascituro.
Carece de busca pelo ponto de equilíbrio, com avanços tanto para a mulher quanto para o nascituro.
(*) Matemático pela Università degli Studi de Milão/Itália e pós-graduado em Previdência pela FGV Publicado no jornal “A Tribuna” de Vitória (ES) em 4 de julho.