A independência das instituições nacionais é um dos pilares do Estado de Direito e está diretamente vinculada ao princípio da soberania nacional, consagrado no art. 1º, inciso I, da Constituição Federal de 1988. Qualquer tentativa de intervenção externa — ainda que travestida de sanção, tutela ou “defesa da democracia” — deve ser rechaçada com firmeza e lucidez. Segundo a doutrina do Direito Constitucional, a soberania é o poder supremo e independente de um Estado de se autogovernar, legislar e aplicar suas próprias leis dentro do seu território. Como ensina José Afonso da Silva, “a soberania é condição da própria existência do Estado”.

No plano do Direito Internacional Público, a soberania é reconhecida como princípio fundamental da convivência entre os Estados, conforme estabelece o artigo 2º da Carta das Nações Unidas (ONU): “A Organização é baseada no princípio da igualdade soberana de todos os seus Membros.” Isso significa que sanções unilaterais aplicadas por um país contra agentes públicos de outro, sem respaldo multilateral, colocam em xeque os fundamentos do sistema internacional e a própria autoridade das instituições nacionais. Nas Relações Internacionais, autores como Celso Lafer e Norberto Bobbio alertam para os riscos da chamada “jurisdição extraterritorial de conveniência”, que instrumentaliza princípios como direitos humanos ou combate à corrupção para fins geopolíticos seletivos. Isso mina o multilateralismo, fragiliza o direito internacional clássico e enfraquece a autodeterminação dos povos.

No caso brasileiro, erros, abusos ou distorções no funcionamento do sistema de justiça devem ser corrigidos pelas vias institucionais internas: controle judicial, reformas legais, atuação parlamentar e pressão democrática da sociedade civil. Submeter uma autoridade pública a julgamento de potência estrangeira viola o pacto constitucional e coloca em risco a soberania do país. Não é demais lembrar que, constitucionalmente, existem mecanismos de freios e contrapesos para coibir eventuais abusos de magistrados — seja na primeira instância ou na mais alta Corte. Se esses mecanismos não são acionados, essa omissão também é uma escolha política, que faz parte da soberania nacional. Até mesmo a "não-decisão" é, em si, uma decisão. O Brasil não está sujeito à tutela de nenhuma potência estrangeira. Não podemos ser quintal nem dos Estados Unidos, nem da China. O país é historicamente reconhecido por sua neutralidade e equilíbrio diplomático.

Além disso, a experiência recente evidencia que infraestruturas financeiras e tecnológicas nacionais — como o Pix, a bandeira Elo, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal — são ativos estratégicos na defesa da soberania. Um país que consegue operar sua economia com autonomia e resiliência reduz sua vulnerabilidade a pressões externas e deixa de depender de sistemas controlados por potências estrangeiras.

Nesse contexto, é fundamental evitar que o Banco Central do Brasil seja, na prática, privatizado, como propõe a PEC 65/2023 em tramitação no Senado. Manter o BC como autarquia de Estado, com servidores públicos investidos de prerrogativas constitucionais, não é uma pauta de governo — é uma agenda de soberania nacional.

Assim, o Estado brasileiro deve incentivar o desenvolvimento de soluções tecnológicas próprias, especialmente no setor financeiro, para reduzir e, progressivamente, eliminar a dependência da população em relação a bandeiras e plataformas estrangeiras de pagamento.

Aceitar interferências estrangeiras contra adversários internos pode parecer conveniente no presente, mas compromete a democracia e a soberania em caráter permanente. O “pau que dá em Chico hoje pode dar em Francisco amanhã” — e o que se normaliza contra o outro, amanhã pode ser usado contra todos. As pessoas passam. Os precedentes ficam. E é sobre eles que se constrói — ou se destrói — a autonomia de um país.

*Lucas Batista de Carvalho Pinheiro é Gestor Público com MBA em Gestão de Projetos, foi Chefe da Assessoria Parlamentar do Ministério dos Direitos Humanos e Secretário-Executivo do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Atualmente é Coordenador de Front Office da Consillium Relações Institucionais e Governamentais

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