entregadores de aplicativos fazem segundo breque dos apps saindo da torre de tv com destino ao congresso nacional em brasilia 1595707214840 v2 4x3 2048x1536

Ainda inédita no Brasil, obra analisa o papel do sindicalismo, hoje, num mundo em crise. Como podem dar impulso à inovações, e resgatar seu papel de contrapoder? Quais os caminhos para formular uma nova regulação do trabalho, incluindo precarizados?

Por Clemente Ganz Lúcio

Há múltiplas transformações que promovem transições das realidades econômica, social, política e cultural e que impactam a vida presente e futura da classe trabalhadora e da organização sindical.

Essas transformações podem ser caracterizadas por cinco transições estruturais, a saber: a transição tecnológica e digital, com destaque para a robótica, a inteligência artificial, os novos materiais e a biotecnologia; a transição demográfica, que indica um rápido envelhecimento porque a população vive mais e tem menos filhos; a transição ambiental e climática, com a poluição do meio ambiente e o aquecimento do clima pelo efeito dos gazes estufa; a transição política, com a fragilização das democracias, o crescimento da extrema-direita, os ataques ao Estado Democráticos de Direito e a liberdade; a transição de regulação e do valor político do trabalho, moldada pela desregulamentação trabalhista, pelas iniciativas para enfraquecer os sindicatos e pelo individualismo exacerbado.

O sindicalismo é o maior movimento organizado da sociedade civil no mundo e desempenhou ao longo dos dois últimos séculos um papel essencial para a promoção dos direitos trabalhistas, da qualidade dos empregos, do crescimento dos salários e a promoção e defesa da democracia e de suas instituições. Continuamos desafiados à cumprir essa missão histórica em um novo contexto econômico, social, político e cultural.

Refletir sobre esse desafio sindical é o que realiza o jurista e assessor do movimento sindical espanhol, Antonio Baylos, no livro “¿Para qué sirve un sindicato? Instrucciones de uso1. Em um contexto de crise do trabalho assalariado, avanço do neoliberalismo, precarização e individualização das relações laborais, questionar a razão de ser do sindicato é, além de um exercício analítico, uma necessidade histórica. Este artigo apresenta cinco eixos fundamentais desenvolvidos por Baylos, que ajudam a compreender a relevância do sindicato diante das transições que ocorrem no mundo contemporâneo.

O sindicato como pilar da democracia

Os sindicatos são expressões organizativas autônomas da classe trabalhadora e cumprem um papel essencial na consolidação de regimes democráticos. A democracia se realiza nas urnas, nos parlamentos, nos governos, nos espaços de participação social. Mas a democracia também se realiza e se fortalece a partir dos locais de trabalho e nas lutas que a classe trabalhadora promove. O sindicato é o instrumento que permite aos trabalhadores exercerem sua cidadania social, lutando por condições dignas de trabalho, emprego de qualidade, melhores salários, proteção social e previdenciária, igualdade de oportunidades e participação.

Nesse sentido, para Baylos, o sindicato não é uma peça acessória da democracia, mas um de seus fundamentos. A sua existência fortalece os mecanismos de deliberação social, amplia o controle popular sobre as decisões econômicas e aprofunda a dimensão cidadã do sistema democrático. Em contextos de autoritarismo, os sindicatos são também espaços de resistência e defesa das liberdades civis e políticas.

Sindicato como contrapoder social

Outro aspecto que Baylos enfatiza é que os sindicatos têm uma função central de contrapoder frente à hegemonia do capital nas relações de trabalho. Em uma sociedade estruturalmente desigual, em que os patrões concentram poder econômico e institucional, os trabalhadores só conseguem defender seus interesses através da ação coletiva. O sindicato é o veículo desse contrapoder porque articula, mobiliza, organiza, representa e negocia.

Esse contrapoder não é apenas reativo, mas propositivo. Os sindicatos atuam na construção de alternativas, na formulação de propostas de regulação social do trabalho, na intervenção sobre a política econômica, na defesa de direitos sociais amplos e de políticas públicas universais. Baylos reafirma que o sindicato deve ser um sujeito político transformador, com projeto próprio e autonomia diante de governos e partidos.

Negociação coletiva como direito fundamental

Um dos pontos centrais do pensamento de Baylos é a afirmação da negociação coletiva como um direito fundamental dos trabalhadores. Trata-se de uma dimensão inalienável da autonomia sindical, reconhecida por convenções da OIT – Organização Internacional do Trabalho e constituições democráticas. A negociação coletiva é o meio através do qual os trabalhadores participam da regulação das condições de trabalho, dos salários, dos tempos de descanso e das formas de organização produtiva.

Sem negociação coletiva, o trabalho é regulado exclusivamente pelo poder unilateral do empregador ou pela legislação, que muitas vezes sofre pressões para ser flexibilizada. A negociação coletiva democratiza o local de trabalho, cria equilíbrio de forças, e permite adaptar normas gerais a condições setoriais e locais. Sua existência efetiva exige organização sindical forte, legislação protetiva e respeito institucional.

Representar todos os trabalhadores

A diversidade de formas de ocupação (assalariados com e sem carteira assinada; servidores estatutários; conta-própria, autônomos e trabalhadores independentes; cooperados; trabalhadores domésticos; trabalhadores de cuidados; pejotizados, microempreendedores individuais, entre outras) é um desafio estratégico a ser enfrentado pelo sindicalismo. Por isso, Baylos faz uma crítica contundente aos modelos sindicais excludentes, que representam apenas setores estáveis e com contratos protegidos. Para ele, o sindicato do século XXI precisa ampliar sua base de representação, incluindo trabalhadores precários, informais, autônomos dependentes, imigrantes e jovens.

Essa ampliação exige novas formas organizativas, linguagem acessível, escuta ativa e capacidade de intervenção nos novos espaços de trabalho (plataformas digitais, cadeias produtivas fragmentadas, cooperativas etc.). O sindicato precisa ser um instrumento de inclusão social e laboral, contribuindo para reduzir desigualdades e democratizar o acesso a direitos.

Enfrentar os desafios contemporâneos

O sindicalismo vive desafios globais: queda na densidade sindical e na sindicalização, fragmentação da classe trabalhadora e das formas de representação (categorias mais fracionadas e sindicato por empresa), ofensiva neoliberal para flexibilizar direitos trabalhistas e sociais. Baylos analisa esses desafios e, principalmente, aponta caminhos para enfrentá-los, com destaque para:

  • O combate à “uberização” e à falsa autonomia dos trabalhadores de plataforma;
  • A resistência à desregulamentação e à precarização do trabalho;
  • A necessidade de revitalizar os espaços de negociação coletiva;
  • A articulação com outros movimentos sociais e ambientais;
  • A reinvenção das práticas de base, com foco na escuta e no cuidado.

O autor propõe investir em “nova cultura sindical”, baseada na democracia interna, na participação ativa dos filiados e na construção de alianças sociais amplas. Para Baylos, o sindicato continua sendo uma ferramenta essencial da luta por justiça social, desde que saiba se renovar sem perder sua identidade de classe.

Considerações finais

“Para que serve um sindicato?” não é apenas uma pergunta retórica. Em tempos de retrocessos sociais, de mercantilização da vida e de ataque aos direitos trabalhistas e sindicais, responder a essa pergunta é um ato de resistência e de ousadia política. Antonio Baylos oferece reflexões críticas e inspiradoras. Ele mostra que o sindicato é mais do que um instrumento de defesa: é uma escola de democracia, um agente de transformação social, um contrapoder imprescindível para que a igualdade deixe de ser uma promessa e se torne uma realidade concreta.

1 “¿Para qué sirve un sindicato? Instrucciones de uso”, Antonio Baylos, Los Libros de la Catarata Editora, 192 páginas, 2021. Disponível aqui

Nós apoiamos

Nossos parceiros