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O que estas palavras, aparentemente soltas, têm a ver com o momento histórico vivido pelo Brasil nesta quadra da história nacional? Têm a ver com a democracia e seu fortalecimento ou com a eterna tutela das balizas democráticas pelas Forças Armadas brasileiras

Por Marcos Verlaine

Aragarças e Jacareacanga são 2 locais distintos. O primeiro é município do estado de Goiás, conhecido pelo rio Araguaia. O segundo é município do estado do Pará, às margens do rio Tapajós.

A associação entre ambos é a Revolta de Aragarças (1959) (1), levante militar planejado pelo ex-líder da Revolta de Jacareacanga (1956) (2), o major-aviador Haroldo Veloso, que visava desestabilizar o governo do então presidente Juscelino Kubitschek, apenas 2 semanas após a posse (1956-1961).

Juscelino morreu em “acidente” de carro, em 22 de agosto de 1976, em Resende (RJ) (3).

É preciso, agora, aprender com a história, que na política não perdoa erros graves. A anistia dos militares revoltosos de Jacareacanga redundou na de Aragarças, que levou ao golpe de 1964, que começou a ser gestado em 1954, interrompido pelo suicídio de Getúlio Vargas, em agosto daquele ano, e pela rebelião popular que se sucedeu ao suicídio.

Jacareacanga e estímulo ao golpismo

A tentativa de golpe militar, em 1956, foi rapidamente sufocada pelo governo. Todavia, os revoltosos foram anistiados, o que ainda gerou insatisfação em setores da Força Aérea.

A Revolta de Aragarças (1959), mais conhecida como “golpe de Aragarças”, foi nova insurreição militar liderada pelo ex-líder de Jacareacanga, o major-aviador Haroldo Veloso, que visava depor o então presidente Juscelino Kubitschek.

Aragarças foi motivada pela insatisfação de grupos militares com a permanência de “herdeiros do getulismo” no governo.

Também havia receios de que Juscelino pudesse tentar a reeleição ou que Leonel Brizola instaurasse uma “ditadura”. Embora a revolta tenha sido prontamente controlada pelo governo, as feridas da anterior, a chamada Revolta de Jacareacanga, não estavam curadas. Ambas Jacareacanga, e Aragarças permaneceram abertas até 1º de abril de 1964.

Anistia e punição

Debaixo de muitas críticas, JK anistiou os chamados revoltosos de Jacareacanga (1956). E, ao contrário do que fizera em 1956, o presidente não perdoou os golpistas de 1959.

Desde então, JK governou sob clima de extrema instabilidade política, até a eleição, em 1960, de Jânio Quadros e João Goulart, respectivamente, presidente e vice.

Jânio tomou posse em janeiro de 1961 e caiu — renunciou — em agosto. Ele acreditava, que depois desse gesto, voltaria ao poder nos braços do povo. Isso jamais aconteceu.

Posse de Jango e o golpe de 64

A posse do vice — João Goulart, ou Jango, como era conhecido — como presidente do Brasil, ocorreu em período complexo e de muita instabilidade política após a renúncia de Jânio Quadros.

Antes da posse de Jango, ameaçada por setores reacionários das Forças Armadas e da burguesia, houve a Campanha da Legalidade (4), em resposta àquelas ameaças, liderada pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola.

A Campanha da Legalidade foi um movimento civil e militar para garantir a posse constitucional de Goulart, que acabou sendo empossado em agosto de 1961, após a aprovação de novo regime parlamentarista pelo Congresso.

O período entre a posse de Jango, em 1961, e o golpe de 1964, foi marcado por profunda polarização política e social, com Jango tentando implementar as chamadas Reformas de Base, que visavam transformações estruturais no País, assolado pelo subdesenvolvimento e graves injustiças sociais.

Houve forte oposição de setores conservadores e empresariais, com a atuação de organizações conspiratórias como o Ipes? e a CIA?, e com a mobilização de setores populares e de militares subalternos que também defendiam reformas, o que culminou no golpe civil-militar que o depôs.

8 de janeiro de 2023 e anistia

Nesse dia, milhares de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes — Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal e Palácio do Planalto —, em Brasília. Este foi o último ato da trama golpista, que se iniciou ainda sob o governo de Bolsonaro, em 2022, segundo relatório da PF (Polícia Federal), base da denúncia feita pela PGR (Procuradoria-Geral da República) aceita pelo Supremo.

O ato, golpista e antidemocrático, teve como objetivo contestar o resultado das eleições de 2022 e pressionar por intervenção militar — golpe de Estado. A ação resultou em destruição de patrimônio público, agressões, prisões em flagrante e forte reação nacional e internacional em defesa da democracia brasileira.

Após o episódio, milhares de pessoas foram investigadas e processadas, com condenações já proferidas pelo STF. Setores da direita e parlamentares da oposição passaram a defender a anistia para os envolvidos, sob o argumento de que muitos seriam manifestantes comuns e não golpistas.

O governo, partidos de centro e de esquerda, além de entidades jurídicas e acadêmicas, rejeitam a anistia, considerando-a risco de impunidade e precedente perigoso, que fragilizaria a democracia e o Estado de Direito.

O debate ecoa o histórico brasileiro de anistia de 1979 — no começo do fim da ditadura militar —, mas em contexto distinto: naquele caso, tratava-se da reconciliação para a redemocratização; hoje, trata-se de punir atos que atentaram contra as instituições da democracia já consolidadas.

Marcos Verlaine é jornalista, analista político e assessor parlamentar do Diap

1. Revolta de Aragarças (1959) – Levante militar iniciado em Goiás, liderado por oficiais da Aeronáutica, que buscava derrubar JK.

2. Revolta de Jacareacanga (1956) – Tentativa de golpe contra Juscelino Kubitschek, organizada por militares da Aeronáutica no Pará.

3. Morte de Juscelino Kubitschek (1976) – A versão oficial apontou acidente rodoviário como causa. Contudo, persistem suspeitas de atentado político, em razão do contexto de perseguição a opositores durante a ditadura militar. A Comissão Nacional da Verdade (2014) considerou inconclusiva a hipótese de assassinato.

4. Campanha da Legalidade (1961) – Mobilização liderada por Leonel Brizola para garantir a posse constitucional de Jango após a renúncia de Jânio.

5. Ipes (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) – Organização empresarial e conservadora criada em 1961, que atuou no financiamento e na articulação do golpe de 1964.

6. CIA (Central Intelligence Agency) – Agência de inteligência dos EUA, envolvida em ações de apoio logístico e político ao golpe militar de 1964.

Fonte: Rádio Peão Brasil

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