Quando crime vira terrorismo, a democracia vira alvo
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Manobra semântica sustenta ambições autoritárias e dependência geopolítica dos EUA.
Marcos Verlaine*
A extrema-direita brasileira não está apenas brincando de semântica ou fazendo provocações políticas quando insiste em chamar traficantes, criminosos comuns ou adversários políticos de “terroristas”.
Trata-se de projeto ideológico perigoso de longo alcance, que mira a desestabilização do Estado brasileiro, a corrosão das instituições democráticas e a submissão do País a interesses geopolíticos alheios, particularmente os dos Estados Unidos sob Donald Trump.
Não é sobre segurança pública. Não é sobre ordem. É sobre poder, submissão e narrativa.
Ao inflar o termo “terrorismo” para enquadrar problemas de criminalidade urbana secular, a extrema-direita opera em 2 frentes simultaneamente.
1. Estratégia de criminalização da política. Rotular inimigos como terroristas sempre foi ferramenta autoritária.
No Brasil, a extrema-direita tenta criar ambiente em que divergências virem ameaças, movimentos sociais sejam enquadrados como inimigos internos e qualquer resistência democrática seja sufocada sob o manto da “segurança nacional”.
É a ideologia da segurança nacional do regime militar — 1964-1985 — de enxergar as variáveis citadas acima como os “inimigos internos”.
No limite, é o sonho de reedição da doutrina do “inimigo interno” do regime de exceção. Agora, com novos contornos, slogans, bandeiras e hashtags. Esse proselitismo extremista ficcional é difundido nas ruas e nas redes.
2. Alinhamento subserviente ao trumpismo. Existe ainda cálculo geopolítico. O trumpismo já sinalizou interesse em criar categorias como “narcoterroristas” para justificar intervenções ou pressões sobre países latino-americanos. Observe o que está ocorrendo na costa da Venezuela.
Se o Brasil passa a usar o mesmo enquadramento, abre-se a porta para:
- legitimar interferência externa sob pretexto de combate ao “terror”;
- enquadrar o País na órbita ideológica e militar dos EUA trumpistas; e
- criar condições narrativas para apoio internacional a rupturas internas.
É tudo que a extrema-direita quer. No Brasil, esses extremistas têm nome.
Os “patriotas” bolsonaristas — ironia máxima — “defendem” a soberania nacional entregando-a.
Querem transformar o Brasil em colônia ideológica de Washington, ao tentar terceirizar a política de segurança e a diplomacia vinculando-os a projeto estrangeiro.
Brasil como plataforma do caos
A extrema-direita opera pela desestabilização: quanto pior, melhor.
Se o País é percebido como Nação dominada pelo “terrorismo”, instala-se a lógica da emergência permanente, que é o terreno fértil para “salvadores da pátria”, autoritarismo e golpes disfarçados de “missão civilizatória democratizante”.
A tentativa é clara: criar um “Brasil-problema” para justificar um “Brasil-intervencionado”.
Defender a democracia é recusar essa ficção
O combate ao crime — organizado ou não — precisa ser firme, profissional e inteligente. E não arma ideológica, contra o Brasil e as periferias desassistidas de tudo.
Transformar criminosos comuns em terroristas não combate o crime. Alimenta o extremismo.
O Brasil não precisa copiar agendas estrangeiras, nem se ajoelhar diante da retórica de “combate ao terror” importada para fins escusos.
A segurança pública deve ser construída com soberania, constitucionalidade e racionalidade. Não com delírios golpistas.
A pergunta que fica
Quem se diz patriota, mas trabalha para colocar o Brasil sob tutela estrangeira, serve ao País ou a outro projeto?
A democracia brasileira já viu esse filme. E não precisa revê-lo ou reprisá-lo.
Cabe às instituições, à imprensa, ao Parlamento e à sociedade civil desmontar essa narrativa antes que essa vire política de Estado.
Patriotismo não é servidão. Soberania não é grito. É projeto.
E terrorismo não se combate com mitos, mas com democracia. Com forças de segurança bem treinadas, com sociedade atenta aos seus direitos.
Com imprensa que lance luz sobre os problemas reais da sociedade, a fim de que o povo possa tomar decisões a partir da realidade que lhe cerca e não sob ficções, que ao turvá-la roube-lhe, primeiro, a liberdade.
(*) Jornalista, analista político e assessor parlamentar do Diap
