O fim da CLT é a liberdade que oprime
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Marcos Verlaine*
O fim da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) como código protetivo do trabalho é vendido como sinônimo de modernidade. Os defensores dessa premissa neoliberal afirmam que a “liberdade de contratar” e a “flexibilização das regras” trariam prosperidade e mais empregos.
Mas o que se chama de liberdade é, na verdade, desproteção. Entre o grande e o pequeno, entre o rico e o pobre, a liberdade não é campo nivelado. Nem tampouco corda esticada: o lado mais fraco sempre cede primeiro.
A CLT não oprime — protege. O que oprime é a ausência de limites, é o poder absoluto do capital sobre o trabalho.
Mito da negociação individual
O discurso da “livre negociação” ignora a realidade do mercado de trabalho brasileiro. Segundo o IBGE, mais de 36 milhões de pessoas vivem hoje na informalidade — quase 40% da força de trabalho.
Esses trabalhadores aceitam qualquer condição, não por vontade, mas por necessidade. Em país onde impera desigualdades estruturais, falar em “negociação individual” é pura ficção: o empregador e o empresário podem esperar, o trabalhador não.
Sem sindicatos fortes e sem a CLT, o diálogo se torna monólogo — e quem fala mais alto é quem paga o salário.
Sem direitos, a liberdade vira exploração
A CLT é fruto de lutas históricas. Sem essa baliza, o retrocesso seria — como de fato foi — brutal.
Uma mulher grávida poderia ser demitida às vésperas do parto, sem licença nem estabilidade. O trabalhador poderia cumprir jornadas de 12 ou 14 horas sem direito a hora extra. As férias poderiam ser suprimidas. O 13º salário viraria lembrança.
Esses não são exageros, são fatos históricos. Antes de 1943, quando a CLT foi criada, era assim que o Brasil tratava quem vivia do próprio trabalho. O que se chama hoje de “flexibilização” é, na prática, volta à exploração legalizada.
Números da precarização
A Reforma Trabalhista de 2017 foi o primeiro ensaio desse modelo. Prometeu milhões de empregos e mercado “dinâmico”. O resultado, segundo o IBGE e o Dieese, foi o oposto:
- O emprego informal cresceu mais de 20% desde 2017;
- O emprego formal com carteira subiu apenas 5%;
- O salário médio real caiu cerca de 10% nos últimos anos; e
- O contrato intermitente, símbolo da “modernização”, não chega a 1% dos vínculos, com rendimentos 45% menores que os contratos tradicionais.
A reforma precarizou o trabalho, enfraqueceu os sindicatos e aprofundou a insegurança. A “liberdade” virou sinônimo de incerteza.
Retrocesso travestido de modernidade
Os defensores do fim da CLT argumentam que a legislação trabalhista é “antiga”, “engessada”, “incompatível” com o século 21. Mas o que chamam de atraso é, na verdade, civilização.
A CLT foi criada para conter a lógica brutal do mercado, que trata o trabalhador como custo. Sem essa barreira, voltamos à era em que o lucro justificava qualquer abuso.
Modernidade não é voltar ao passado. É atualizar a proteção social para novo tempo — com trabalho digno, tecnologia a serviço das pessoas e valorização da renda.
O direito que liberta
Direito não é obstáculo à liberdade — é sua condição. A CLT é o instrumento que torna a liberdade possível também para o mais fraco.
Sem leis que equilibrem as relações de poder, a liberdade é privilégio de poucos.
É o direito que liberta, e não a ausência deste.
Em nome da “eficiência”, o neoliberalismo tenta apagar essa verdade: sociedade sem garantias trabalhistas é sociedade que normaliza a exploração e destrói a dignidade de quem produz.
Liberdade que escraviza
O fim da CLT seria o triunfo da liberdade que oprime — a vitória da força sobre a justiça. O progresso real não virá com o desmonte dos direitos, mas com sua ampliação.
Sem o direito, o trabalhador perde a voz. Sem proteção, a liberdade se torna servidão.
E uma sociedade que chama isso de modernidade está, na verdade, voltando para trás.
(*) Jornalista, analista político e assessor parlamentar do Diap
