Celso Napolitano*

O episódio da derrota da oposição na reforma trabalhista no Congresso, particularmente na Câmara dos Deputados, a despeito da resistência e da luta das centrais sindicais, requer uma reflexão profunda do movimento sindical em relação à representação dos trabalhadores nos poderes constituídos.

O natural, considerando que a oposição de esquerda possui mais de 100 deputados, seria que a reforma trabalhista tivesse tido mais dificuldade de tramitação na Câmara do que no Senado. Mas ocorreu o contrário: um Senado aguerrido e uma Câmara apática.

O texto, que chegou à Câmara com menos de dez mudanças na CLT e saiu com mais de cem, teve pouca resistência em comparação com outros projetos com o mesmo propósito. Como exemplo, podemos citar dois outros projetos nocivos aos trabalhadores: o PL 5.483/01, da era FHC, que alterava o artigo 618 da CLT para permitir a prevalência do negociado sobre o legislado, e o PL 4.330/04, do ex-deputado Sandro Mabel (PMDB-GO), que institui a terceirização na atividade-fim, além da pejotização das relações de trabalho.

É verdade que o projeto de desmonte da CLT tramitou num período tumultuado na Câmara, durante o qual houve o impeachment da ex-presidente Dilma e a efetivação de Michel Temer como presidente da República, a cassação do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e a eleição e reeleição do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) para a Presidência da Câmara. Mas nada disso justificaria o “corpo mole” da oposição nessa matéria.

A falta de entusiasmo dos deputados em defesa dos trabalhadores surpreendeu a ponto de terem permitido, em troca da votação nominal de três destaques, que a matéria fosse aprovada em uma única sessão do plenário. Se tivessem segurado mais alguns meses, certamente haveria maior dificuldade para a aprovação no Senado, ou até mesmo a sua rejeição, seja em razão da fragilidade do governo Temer, seja pela proximidade do processo eleitoral.

A realidade é que nossa oposição, talvez mais preocupada com o fundo eleitoral, com anistia do caixa dois e em evitar a aprovação de uma reforma política que dificultasse o retorno da esquerda ao poder, deixou a matéria ser aprovada sem maiores resistências. Como Rodrigo Maia, em quem parte da oposição votou para sua eleição e reeleição para a presidência da Câmara, era quem estava conduzindo as votações, tanto dos temas acima quanto da reforma trabalhista, parte da oposição teria criado menos dificuldades. Essa política de boas relações, com o olho naqueles compromissos, custou caro aos trabalhadores.

O fato é que os trabalhadores e suas lideranças devem, nas próximas eleições, priorizar candidaturas próprias, porque não dá para contar com deputados sem experiência sindical, mesmo que pertençam a partidos de esquerda. Para eles, a causa dos trabalhadores deve ser tratada em igualdade de condições com outras pautas de interesse do eleitor, do contribuinte, do usuário de serviços públicos, do consumidor, etc. Não há uma prioridade para os temas do mundo do trabalho, que é, ao lado do capital, uma das duas forças motoras da economia.

Para que possa resistir e tentar resgatar parte dos direitos flexibilizados, reduzidos ou suprimidos, é preciso contar com lideranças bem formadas e com capacidade de argumentação. Para tanto, é fundamental ampliar a conscientização da classe trabalhadora, investindo em formação de formadores, como forma de multiplicar quadros e lutadores sociais.

Afinal, os ataques das forças neoliberais aos direitos sociais, sob o fundamento de que são causadores de déficits e responsáveis pelo desemprego, fragilizam a solidariedade e a cidadania, facilitando os arranjos pró-mercado. E só com formação política, cívica, sindical e cidadã será possível combater e vencer essa investida em bases neoliberais sobre os corações e mentes dos trabalhadores brasileiros.

Uma classe trabalhadora sem sólida formação e convicção política e ideológica terá dificuldade de protagonismo e será facilmente manipulada e controlada pelo capital, assim como o foram os deputados nesse embate da reforma trabalhista. Ou se investe na educação política, na formação de quadros e em lideranças para disputar o poder político, ou o Estado vai continuar priorizando o capital em detrimento do trabalho.

(*) Professor da FGV-SP, presidente da Federação dos Professores do Estado de São Paulo (Fepesp) e presidente do Diap

Íntegra do Boletim do DIAP # 309 - Jun/Jul (Encarte)

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