Alysson de Sá Alves*

A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin de anular os processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na 13ª Vara Federal de Curitiba tornou o petista elegível novamente. Com isso, Lula poderá se candidatar nas próximas eleições presidenciais, em outubro de 2022.

Em decisão monocrática (apenas do ministro Fachin) nesta segunda (8/3), o ministro reconheceu que a 13ª Vara Federal de Curitiba não tem competência para julgar os casos da Lava Jato envolvendo o ex-presidente porque os atos julgados não aconteceram no Paraná. À época, Lula era presidente e estava em Brasília — assim, a competência para julgar os casos seriam da Justiça Federal do Distrito Federal.

Segundo a decisão de Fachin, a 13ª Vara de Curitiba, onde o ex-juiz Sergio Moro atuava até 2018, poderia julgar apenas casos da Lava Jato que envolvesse desvio de dinheiro da Petrobras — o que não é o caso das condenações de Lula no caso do tríplex do Guarujá; do sítio de Atibaia; da sede do Instituto Lula; e das doações ao instituto.

O que decidiu Fachin
A decisão do ministro Fachin foi dada no julgamento de um Habeas Corpus impetrado pela defesa de Lula em 3 de novembro de 2020. Defendem o petista os advogados Cristiano Zanin, Valeska Martins, Eliakin Tatsuo e Maria de Lourdes Lopes.

Ao decidir, o ministro declarou "a nulidade apenas dos atos decisórios praticados nas respectivas ações penais, inclusive os recebimentos das denúncias". Ou seja: encontrou uma forma de manter válidas as quebras de sigilo, interceptações e material resultante de buscas e apreensões. E, caso o ministro Fachin tivesse declarado a suspeição do ex-juiz Sério Moro, todo o processo poderia começar do zero, o que não foi o caso decido por Fachin.

De todo modo, segundo o Conjur, o ministro Gilmar Mendes ainda pode pautar a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro nos julgamentos que proferiu do ex-presidente Lula.

Gilmar Mender pediu vista nesse processo que pede a suspeição de Moro e já havia avisado que levaria a discussão à 2ª Turma ainda neste semestre.

O ministro Fachin decidiu no seu despacho que os autos devem ser enviados para a Justiça do Distrito Federal e que caberá "ao juízo competente decidir sobre a possibilidade de convalidação" de depoimentos e de coleta de provas. Ato contínuo, o ministro declarou a perda de objeto dos pedidos de suspeição de Moro - algo que os advogados e ministros da Segunda Turma dificilmente aceitarão.

Lei da Ficha Limpa
Até a tarde desta segunda-feira, 08/03/2021, Lula estava impedido de concorrer a qualquer cargo eletivo por ter sido condenado nos casos do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia em segunda instância.

As condenações de Lula que foram anuladas por Fachin enquadravam o ex-presidente na Lei da Ficha Limpa, legislação sancionada pelo próprio Lula em 2010 quando ocupava a cadeira de presidente da República.

A lei da Ficha Limpa impede que pessoas condenadas por um colegiado - ou seja, por uma corte de 2ª instância - possam se candidatar. Ou seja, não foi a sentença de Moro sobre o triplex do Guarujá, dada em 2017, que impediu o petista de se candidatar, mas sim a confirmação dessa condenação pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre.

Em janeiro de 2018, os magistrados do TRF 4 confirmaram sentença de Moro, e aumentaram a pena de prisão de Lula para 12 anos e um mês em regime fechado. Posteriormente, a condenação foi ratificada por uma turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), 3ª instância do Poder Judiciário.

Lula ficou preso por 580 dias na Superintendência da Polícia Federal do Paraná, em Curitiba. Ele foi solto no dia 8 de novembro de 2019.

Lula pode ser candidato à presidência da República em 2022
A decisão de Fachin não julgou o mérito. Não disse que Lula é inocente ou culpado. Afirmou apenas que Lula deve ser julgado pelo juízo do Distrito Federal, e não pela 13ª Vara que julgou grande parte dos casos da Lava Jato. Agora, segundo o ministro do STF, está claro que as ações envolvendo o ex-presidente não têm relação com os desvios da Petrobras.

Agora, o petista se tornou elegível novamente porque os processos nos quais Lula foi condenado em 2ª instância foram anulados pelo ministro Fachin (nulidade processual), o que faz com que Lula deixe de ser enquadrado pela Lei da Ficha Limpa e possa disputar qualquer cargo político em 2022.

Motivos da decisão de Fachin
A decisão de Fachin, relator da Lava Jato no STF, foi tomada a partir do recurso de Habeas Corpus da defesa do ex-presidente. Os advogados de Lula argumentam que seus processos não deveriam ter sido julgados na 13ª Vara de Curitiba, comandada até novembro de 2018 pelo ex-juiz Sergio Moro.

Fachin aceitou o pedido, considerando que 13ª Vara de Curitiba "não era o juízo competente para processar e julgar Luiz Inácio Lula da Silva". Advogados de acusados na Lava Jato há muito questionavam por que processos que envolviam possíveis crimes em diversas partes do Brasil eram julgados nesta vara.

Na visão dos advogados de Lula, os julgamentos do ex-presidente contrariaram o princípio do juiz natural, segundo o qual o juízo competente deve ter relação com o local dos crimes investigados. 

Uma decisão do plenário do STF do início da Lava Jato, porém, permitiu que os casos envolvendo corrupção na Petrobras fossem mantidos em Curitiba.

Mas, tivesse o STF decidido desde o início em conformidade com o princípio do juízo natural, teria sido oportunizado o cumprimento efetivo do que estabelece e determina o Código de Processo Penal. Nada, portanto, de embróglio e insegurança jurídica teria ocorrido e, quicá, o ex-presidente sido condenado em 2ª instância e preso..

Demorou, mas o Código de Processo Penal voltou ao seu status de norma cogente ao ter sido declarada a nulidade dos atos processuais realizados por juiz incompetente, conformidade com o artigo 567 do CPP e adotado pelo ministro Fachin no seu decidir.


A nova interpretação dada por Fachin
Na decisão que anulou as condenações contra Lula, Fachin diz que hoje há novos entendimentos do Supremo que levaram diversos processos a serem distribuídos para outras varas do país.

Nesse contexto, ele considerou que as acusações contra o ex-presidente devem ser julgadas pela Justiça Federal do Distrito Federal.

"Embora a questão da competência já tenha sido suscitada indiretamente, é a primeira vez que o argumento reúne condições processuais de ser examinado, diante do aprofundamento e aperfeiçoamento da matéria pelo Supremo Tribunal Federal", diz nota do gabinete do ministro.

"Inicialmente, retirou-se todos os casos que não se relacionavam com os desvios praticados contra a Petrobras. Em seguida, passou a distribuir por todo território nacional as investigações que tiveram início com as delações premiadas da Odebrecht, OAS e J&F. Finalmente, mais recentemente, os casos envolvendo a Transpetro (Subsidiária da própria Petrobras) também foram retirados da competência da 13a Vara Federal de Curitiba", diz ainda o comunicado, ao listar ações do STF que restringiram o alcance da competência da 13a Vara Federal.

Segundo a decisão de Fachin, os supostos atos ilícitos citados nos processos contra Lula iniciados em Curitiba "não envolviam diretamente apenas a Petrobras, mas ainda outros órgãos da Administração Pública".

"Especificamente em relação a outros agentes políticos que o Ministério Público acusou de adotar um modus operandi semelhante ao que teria sido adotado pelo ex-Presidente, a Segunda Turma tem deslocado o feito para a Justiça Federal do Distrito Federal", ressalta ainda a nota do gabinete do ministro.

PGR pode recorrer da decisão de Fachin
Há possibilidade de recurso, que pode ser apresentador pela Procuradoria Geral da República (PGR) na forma de um agravo regimental. 

Caso Aras entre de fato com o agravo regimental, a 2ª Turma do STF decidirá se dá provimento ou não ao recurso, ou seja, se reverte ou não a decisão de Fachin.

O futuro do processo de Lula
Ao anular apenas os "atos decisórios praticados nas respectivas ações penais", Fachin deixa de fora as decisões proferidas por Sérgio Moro na fase de investigação (as buscas e apreensões, a interceptação telefônica, quebras de sigilo). E dá a possibilidade de a Justiça Federal de Brasília validar os atos instrutórios e apenas proferir novas sentenças.

Segundo um precedente do Superior Tribunal de Justiça, no RHC 40.514, em caso de incompetência relativa, "o recebimento da denúncia por parte de juízo territorialmente incompetente tem o condão de interromper o prazo prescricional".

Assim, segundo esse precedente, se o juízo federal do Distrito Federal recomeçar o processo, a ação poderá ser tocada normalmente, pois os crimes atribuídos a Lula não estariam prescritos. 

Manifestação da defesa do ex-presidente Lula

Anotação dos processos de Lula pelo STF

Recebemos com serenidade a decisão proferida na data de hoje pelo ministro Edson Fachin que acolheu o Habeas Corpus que impetramos em 03.11.2020 para reconhecer a incompetência da 13ª. Vara Federal Criminal de Curitiba para analisar as 4 denúncias que foram apresentadas pela extinta "força tarefa" contra o ex-presidente Lula (HC 193.726) - e, consequentemente, para anular os atos decisórios relativos aos processos que foram indevidamente instaurados a partir dessas denúncias.

A incompetência da Justiça Federal de Curitiba para julgar as indevidas acusações formuladas contra o ex-presidente Lula foi por nós sustentada desde a primeira manifestação escrita que apresentamos nos processos, ainda em 2016.

Isso porque as absurdas acusações formuladas contra o ex-presidente pela "força tarefa" de Curitiba jamais indicaram qualquer relação concreta com ilícitos ocorridos na Petrobras e que justificaram a fixação da competência da 13ª. Vara Federal de Curitiba pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Questão de Ordem no Inquérito 4.130. 

Durante mais de cinco anos percorremos todas as instâncias do Poder Judiciário para que fosse reconhecida a incompetência da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba para decidir sobre investigações ou sobre denúncias ofertadas pela "força tarefa" de Curitiba.

Também levamos em 2016 ao Comitê de Direitos Humanos da ONU a violação irreparável às garantias fundamentais do ex-presidente Lula, inclusive em virtude da inobservância do direito ao juiz natural - ou seja, o direito de todo cidadão de ser julgado por um juiz cuja competência seja definida previamente por lei e não pela escolha do próprio julgador.

Nessa longa trajetória, a despeito de todas as provas de inocência que apresentamos, o ex-presidente Lula foi preso injustamente, teve os seus direitos políticos indevidamente retirados e seus bens bloqueados.

Sempre provamos que todas essas condutas faziam parte de um conluio entre o então juiz Sergio Moro e dos membros da “força tarefa” de Curitiba, como foi reafirmado pelo material que tivemos acesso também com autorização do Supremo Tribunal Federal e que foi por nós levado aos autos da Reclamação nº 43.007/PR.

Por isso, a decisão que hoje afirma a incompetência da Justiça Federal de Curitiba é o reconhecimento de que sempre estivemos corretos nessa longa batalha jurídica, na qual nunca tivemos que mudar nossos fundamentos para demonstrar a nulidade dos processos e a inocência do ex-presidente Lula e o lawfare que estava sendo praticado contra ele.

A decisão, portanto, está em sintonia com tudo o que sustentamos há mais de cinco anos na condução dos processos.

Mas ela não tem o condão de reparar os danos irremediáveis causados pelo ex-juiz Sergio Moro e pelos procuradores da "lava jato" ao ex-presidente Lula, ao Sistema de Justiça e ao Estado Democrático de Direito. Cristiano Zanin Martins/Valeska Teixeira Zanin Martins. Com informações do Conjur.

Íntegra da decisão do ministro Fachin

* Alysson de Sá Alves é jornalista profissional diplomado (Registro 3817/DF) e Bacharel em Direito.

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