O governo tenta passar mais alguns bois com a MP 1.042/21
- Detalhes
- Categoria: Agência DIAP
Com bastante repercussão entre dirigentes sindicais e lideranças dos servidores públicos, foi publicada no DOU (Diário Oficial da União) de 15 de abril, a Medida Provisória 1.042, de 14 de abril de 2021.
Vladimir Nepomuceno*
No geral, além da má técnica de redação legislativa (mais uma), a medida provisória merece alguns comentários, que apresento a seguir.
Leia também:
Governo edita MP que reorganiza e extingue cargos de confiança
Apesar de a MP se referenciar no artigo 62 da Constituição Federal, que autoriza a edição de medidas provisórias pelo presidente da República, a MP 1.042/21 não respeita o citado artigo da Constituição Federal.
Simplesmente porque a Constituição Federal, em seu artigo 62, permite a edição de medidas provisórias pelo presidente da República, desde que mediante e comprovada situação de relevância e urgência, o que não é o caso em nenhum dos artigos da mencionada medida provisória.
Um bom e claro exemplo se encontra logo no artigo 1º, inciso III, quando diz que a medida provisória “prevê” os “Cargos Comissionados Executivos”. Onde estaria a urgência e a relevância nessa ‘previsão”?
Outro exemplo é o que consta do artigo 16 da MP, quando diz que os cargos de confiança a serem substituídos serão extintos em duas etapas, a primeira em 31 de outubro de 2022 e a segunda em 31 de março de 2023. Isso deixa bem claro que o conteúdo da medida provisória poderia ser, sem nenhum problema, encaminhado por meio de projeto de lei ao Congresso Nacional.
O verdadeiro objetivo da MP 1.042/21
Outra questão extremamente importante a ser considerada é a competência privativa do presidente da República, determinada pelo artigo 84 da Constituição Federal, que, em seu inciso VI, diz que o presidente da República pode, mediante decreto (apenas), dispor sobre (e não mais):
1) organização e funcionamento da Administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; e
2) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos.
No entanto, no artigo 3º da MP 1.042/21, há a intenção de que, por da aprovação da medida provisória pelo Congresso, a Casa Legislativa diga que o presidente estaria autorizado a, a partir da sanção da lei decorrente da MP, promover, quando lhe aprouver, mudanças que atualmente só são permitidas por ato aprovado pelo Congresso Nacional.
O mesmo ocorre no artigo 21 da MP, ao incluir o artigo 58-A na Lei 13.844, de 18 de junho de 2019. Na realidade, o texto da MP 1.042/21 busca que o Congresso Nacional, mais uma vez, dê ao presidente da República o poder de alterar a denominação de secretarias especiais e nacionais, além de criar, em órgãos do Poder Executivo, secretarias, além dos limites previstos em lei. O que hoje não é permitido. Atualmente só é possível alterações desse nível por meio de lei aprovada pelo Congresso Nacional.
O que o governo não explica
Em relação à transformação de cargos em comissão apresentada na MP 1.042/21, o que chama atenção, e o governo não explica, é o fato de que, na manhã do dia 3 de setembro de 2020, antecedendo a apresentação da PEC (que ganharia o número 32 no mesmo dia) ao Congresso, em entrevista coletiva (disponível em vídeo na página do Ministério da Economia no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=l6TPf77J8bY), a equipe daquele ministério disse que a “Reforma Administrativa” era composta de 3 fases, sendo a PEC a primeira.
A segunda fase seria composta por conjunto de projetos de leis complementares e ordinárias que tratariam de gestão de pessoas. Dentro desse tópico estaria, entre outros, um projeto de lei de “consolidação de cargos e funções”.
Também na entrevista foi dito que na terceira fase, dentro de projeto de lei complementar, constariam as novas propostas de “organização da força de trabalho” e “ocupação dos cargos de liderança e assessoramento”. Por que a pressa agora?
Desse fato podemos depreender que o que agora se coloca na Medida Provisória 1.042/21 poderia ser, na verdade, adiantando a “reforma administrativa”, a cortina de fumaça para a tentativa inicial de aprovação das autorizações legais para que o presidente da república pudesse dispor do poder de alteração de parte da estrutura de órgãos e de cargos (agora os em comissão), antecipando o proposto na PEC 32/20 para o artigo 84 da Constituição Federal, ainda que parcialmente. Isso contribuiria para a passagem de mais alguns bois da boiada das reformas do atual governo, o que permitiria imediatamente começar as alterações previstas inicialmente para depois da reforma.
O que pode ser também entendido, entre outras formas, como a confissão de possível reconhecimento da inviabilidade de tramitação, pelo menos no próximo período, da PEC 32/20, o que faria o governo tentar atingir seus objetivos por outros caminhos e de forma parcelada. O gesto governamental também pode ser considerado como um teste quanto à aceitação pelo Congresso de alguns pontos chaves da reforma proposta por um governo absolutista.
Por fim, cabe à Câmara dos Deputados rejeitar e devolver imediatamente ao Executivo a Medida Provisória 1.042/21, uma vez que, além de propor que o Congresso seja conivente com as manobras inconstitucionais do governo, por ser medida provisória com poder legal imediato, pode o Executivo cometer atos irregulares e inconstitucionais durante o período de vigência da referida MP, o que também tornaria o Congresso Nacional conivente nos abusos ilegais do presidente da república (mais um).
(*) Assessor parlamentar. É servidor público federal aposentado. Artigo publicado originalmente em seu blog Notas do Vladimir